Hino Homérico 3, a Apolo (trad.: C. Leonardo B. Antunes)


A APOLO DÉLIO

Hei de lembrar-me e não hei de esquecer-me de Apolo certeiro.
Dele os divinos na casa de Zeus têm pavor quando passa
E se levantam com pressa conforme lhes chega mais perto
Todos das cátedras quando ele enverga seu arco brilhante.

Leto sozinha mantém-se com Zeus que se agrada com raios:
Logo ela desencordoa seu arco, põe fecho na aljava,
E de seus ombros potentes, tomando nas mãos em seguida,
Ela pendura seu arco num poste da casa paterna
Sobre um suporte dourado. Depois o conduz a sentar-se.
Logo seu pai lhe dá néctar num cálice todo dourado
Ao receber o seu filho. Depois os demais dentre os numes
Sentam-se junto também. Então Leto senhora se alegra
Pois deu à luz um arqueiro potente na forma de filho.
Leto ditosa eu saúdo: geraste uma prole brilhante,
O rei Apolo em consórcio com Ártemis hábil flecheira,
Ela nascida em Ortígia, mas ele na Delos rochosa,
Tu reclinada na grande montanha de Cinto,
Próximo de uma palmeira e das águas que correm no Inopo.

Como te irei hinear, sendo tu tão de todo hineável?
Por toda parte já, Febo, lançaram-te cantos diversos
Na terra firme que nutre bezerros bem como nas ilhas.
Todos te trazem prazer: promontórios altivos, mirantes,
Rios de elevadas montanhas que correm ao mar destinados,
Praias que encostam na beira do mar e refúgios marinhos.

Leto, de fato, primeiro gerou-te, alegria aos mortais,
Ao reclinar-se no monte de Cinto, na ínsula pétrea,
Delos cercada por mar. Dos dois lados, as ondas escuras
Vinham à terra movidas no fino assobio dos ventos
Lá onde tu, ao te ergueres, és rei sobre todos os homens.
Quantos habitam o cerne de Creta e a cidade de Atenas,
A ilha de Egina e a Eubeia famosa por embarcações,
Egas, Piresas, também Peparetos bem próxima ao mar,
Atos na Trácia e ainda os altivos acumes de Pélion,
Samos na Trácia bem como as montanhas sombrias do Ida,
Fócia e Esquiros, também em Autócane o monte elevado,
Imbros de bons edifícios e a ínsula inóspita, Lemnos,
A sacratíssima Lesbos, assento do Eólida Mácar,
Quios também, mais brilhante de todas as ilhas do mar,
Mimas rugosa bem como os altivos acumes de Córico,
Fúlgida Claros e ainda a montanha elevada em Eságea,
A úmida Samos, também altaneiros acumes em Mírale,
Cos, a cidade de humanos dotados de voz, e Mileto,
Cárpatos plena de ventos e Cnidos no topo dos montes,
Naxos e Paros, bem como Reneia de chão pedregoso,
Tantos, premida a parir o Longínquo, foi Leto inquirir
Se uma das terras queria fazer moradia a seu filho.
Elas, contudo, tremeram com medo. Nenhuma arriscava
Dar para Febo acolhida, nem mesmo a mais rica de todas,
Antes de Leto senhora de fato ter ido até Delos
E, perguntando, ter dito as seguintes palavras aladas:

"Delos, prouvera quereres tornar-te um assento a meu filho,
A Febo Apolo, e também construir-lhe um riquíssimo templo!
Pois nenhum outro jamais vai tomar-te; nem tu o ignoras.
Creio que não vais tornar-te bom pasto de bois e de ovelhas,
Nem portarás muitos grãos ou farás germinar muitas plantas.
Se, para Apolo que atua de longe, fizeres um templo,
Todos os seres humanos irão conduzir hecatombes
Aglomerando-se aqui. Para sempre, fumaça incessante
Vai levantar-se da vila e darás alimento a teu povo
Vindo da mão de estrangeiros, porque não é rico o teu solo."

Disse assim. Delos então se alegrou e falou em resposta:

"Leto, honradíssima filha nascida de Coios ingente,
Eu, de bom grado, a teu filho, o flecheiro que acerta de longe,
Receberia, pois é bem verdade que sou mal falado
Junto dos homens, e muito eu iria me honrar dessa forma.
Inda assim, Leto, eu me abalo ao dizer, mas de ti não escondo:
Sobremaneira, alguns dizem que Apolo será presunçoso,
E que ele irá presidir de maneira grandiosa imortais
E homens mortais sobre os campos aráveis que vida concedem.
Tenho em meu peito e no meu coração um terrível temor
De que, no mesmo momento em que vir ele o brilho do sol,
Faça desfeita da ilha, pois tenho este chão pedregoso,
E com seus pés me revire enviando-me ao fundo do mar,
Onde até o topo por um vagalhão eu serei para sempre
Toda banhada. Outra terra ele irá encontrar, que lhe agrade,
Para erigir o seu templo e seus bosques com árvores várias,
Ao mesmo tempo em que polvos e focas escuras em mim
Vão ter moradas incólumes, pois eu careço de gente.
Mas, se puderes me jura, divina, uma jura solene,
De que ele aqui construirá por primeiro um belíssimo templo
Para tornar-se um oráculo aos homens, e somente em seguida
Há de erigir os seus templos e bosques com árvores várias
Aos homens todos, pois há de ter fama por múltiplos nomes."

Disse e então Leto jurou uma jura solene dos deuses:

"Saibam-no Gaia e Urano, que vasto se estende por cima,
Bem como as águas do Estige, precípites, mais grandiosa
E mais terrível das juras que existem aos deuses ditosos:
Sim! Para sempre aqui Febo terá certamente um fragrante
Têmeno e altar, e serás, como paga, eminente entre todos."

Logo depois, quando havia jurado e perfeito essa jura,
Delos em muito alegrou-se em nascer o longínquo senhor.
Leto ficou nove dias e noites por inesperadas
Dores de parto transida, mas todas as deusas vieram
Quantas mais nobres existem: Dione em conjunto com Reia,
Têmis icneia e também Anfitrite de muitos gemidos,
E outras eternas, exceto por Hera de cândidos braços,
Pois se sentou nos recintos de Zeus agrupante de nuvens.
Só não soubera Ilitia, que assiste os trabalhos de parto,
Pois se sentou sob as nuvens douradas do Olimpo elevado
Como tramado por Hera de cândidos braços, detendo-a
Por ter inveja do filho impecável e bem poderoso
Perto de ser concebido por Leto de belos cabelos.
Íris, contudo, enviaram da ilha bem edificada
Para buscar Ilitia jurando-lhe enorme amuleto
Todo trançado com ouro à grandeza de nove antebraços,
Mas a mandaram chamar longe de Hera de cândidos braços,
Que com palavras assim não fizesse com que ela voltasse.
Foi-se a correr e já rapidamente cumpriu o entremeio.
Quando chegou ao assento dos deuses, o Olimpo altaneiro,
Subitamente, da porta e a sair do interior do aposento,
Ela chamou Ilitia e lhe disse as palavras aladas,
Todas, conforme ordenaram aquelas que moram no Olimpo,
E convenceu-lhe seu ânimo dentro do peito querido.
Foram-se então com pés tímidos como se fossem de pombas.
Quando Ilitia das dores de parto chegou até Delos,
Leto de pronto sentiu contrações e ansiou dar à luz.
Com os dois braços em torno a uma palma, inclinou-se aos joelhos
Sobre um gramado macio com a terra sorrindo por baixo.
Ele saltou para luz, ao que todas as deusas clamaram.

Eis então, Febo, que as deusas lavaram-te em límpidas águas,
De modo puro e sagrado, e envolveram-te em branca roupagem,
Fina, recém-costurada, e cingiram-te em áureo cordão.
Mas para Apolo da espada dourada a mãe não deu o seio:
Têmis, porém, ambrosia amorável e néctar conjuntos
Com suas mãos imortais lhe serviu. Eu saúdo-te, Leto!
Visto que um filho fortíssimo e arqueiro tu própria geraste.
Mas, no momento em que, Febo, comeste o alimento ambrosino,
Já não podiam conter teu agito os dourados cordões,
Nem te retiam amarras: soltavam-se as pontas de todas.
Às imortais ao redor, em seguida, falou Febo Apolo:
"Sejam queridos a mim tanto a lira como o arco recurvo,
E eu clamarei, aos humanos, o alvitre de Zeus, infalível."

Tendo assim dito ele andava na terra de largos caminhos,
Febo de longos cabelos, que acerta de longe. Então todas
As imortais se espantavam. Com ouro foi Delos inteira
Acobertada, mirando a progênie de Zeus e de Leto,
Muito feliz porque o deus a escolheu para erguer sua casa
Dentre outras ilhas e a terra, pois no coração a amou mais.
Fez-se florida qual cume de monte com flores montesas.
Tu, o senhor de arco argênteo, Apolo que acerta de longe,
Ora vagaste nos montes de Cinto, terreno encrespado,
Ora nas ilhas e em meio aos humanos erravas sem rumo.
Há para ti muitos templos e bosques com árvores várias.
Todos são caros a ti: os mirantes, os altos acumes
Das elevadas montanhas e rios que no mar desenbocam.
Febo, porém, é em Delos que teu coração mais se alegra.
Lá, com efeito, reúnem-se os jônios de túnicas longas
Junto dos próprios rebentos e das reverentes esposas.
Eles, por meio da luta, da dança e também da canção,
Lembram de ti e comprazem-te quando compõem o certame.
Deles, diria que são imortais, sem velhice, perenes,
Quem por ali encontrasse dessarte reunidos os jônios,
Pois notaria sua graça e no íntimo se alegraria
Ao contemplar os varões e as mulheres de bela cintura
E suas rápidas naus e também suas múltiplas posses
E este portento ademais, cuja fama jamais morrerá:
As moças délias, serventes daquele que acerta de longe.
Elas, tão logo se tenha primeiro a Apolo hineado,
E para Leto e também para Ártemis hábil flecheira.
Tendo trazido à memória os varões e as mulheres de outrora,
Cantam então o seu hino e comprazem as tribos humanas.
Todas as línguas humanas e todos os seus dialetos
Elas têm dom de imitar. Cada um se diria ser sua
A entoação, de tão belo que o canto é por elas composto.

Vamos! Mostrai-vos propícios, Apolo com Ártemis, juntos!
E ora de vós me despeço! Mas peço, de mim, no futuro,
Que vos lembreis quando quer que um dos homens que habitam a terra
Vindo até aqui perguntar-vos, algum estrangeiro sofrido:
"Filhas, qual foi para vós o mais doce dos homens cantores
A vir aqui e por conta de quem vós vos mais deleitastes?"
Todas então sem nenhuma exceção respondei prontamente:
"Um homem cego, habitante da ilha de Quios, encrespada.
Suas canções para sempre serão os melhores modelos."
E eu levarei vossa glória aonde quer que eu vagar sobre a terra
Para as cidades dos homens mortais, muito bem habitadas.
E eles serão persuadidos, pois é genuíno o que digo.
E de cantar eu jamais cessarei sobre Apolo longínquo,
De arco de prata, gerado por Leto de belos cabelos.

A APOLO PÍTIO

Rei, tu dominas também sobre a Lícia e na amável Meônia,
E na cidade cercada por mar, adorável Mileto,
Mas sobre Delos banhada por ondas governas sozinho.

Vai dedilhando nas cordas o filho famoso de Leto,
De sua côncava lira, a caminho de Pito rochosa,
Com aromática roupa ambrosina vestido. Sua lira
Ao ser tocada com plectro dourado ressoa amorável.
Nisso, da terra ao Olimpo, veloz como algum pensamento,
Vai para casa de Zeus ao convívio com outros divinos,
E aos imortais logo lira e canção tão somente preocupam.
Todas as Musas, conjuntas, com límpida voz respondendo,
Cantam os dons ambrosinos dos deuses e quanto os humanos,
Tendo desgraças por conta da ação de imortais divindades,
Vivem de modo insensato e carente de meios, nem podem
Cura encontrar para a morte nem contra a velhice defesa.
Graças de belos cabelos, então, com as álacres Horas,
Hebe, Harmonia e também com a filha de Zeus, Afrodite,
Dançam reciprocamente seguras com mãos em seus pulsos.
Junto em seu meio alguém canta, não sendo nem fraca nem feia,
Mas muito grande de ver e espantosa na sua feitura,
Ártemis, hábil flecheira, criada contígua de Apolo.
Ares também e o Argicida de arguta visão, junto deles,
Brincam. Então Febo Apolo dedilha na lira entre todos,
Com elevadas e belas passadas. Um brilho o circunda:
Luminescência de pés e de túnica bem costurada.
Sobredeleitam-se em seu grande espírito de contemplá-lo
Leto de cachos dourados e o astuciosíssimo Zeus
Vendo seu filho querido brincar entre deuses eternos.

Como te irei hinear, sendo tu tão de todo hineável?
Devo cantar-te entre os galanteadores, tomado de amor,
Como tu galanteaste a donzela nascida de Azan
Junto com Ísquis deiforme, rebento de Elátio ginete?
Ou com Forbante da estirpe de Tríopo ou com Ereuteu?
Ou com Leucipo por causa da esposa do próprio Leucipo?
... Ele, montado; tu não. Mas de Tríopo não caiu longe.
Ou sobre como, primeiro, um oráculo para os humanos
Foste buscar pela terra, ó Apolo que acerta de longe.
Para a Piéria primeiro partindo do Olimpo desceste.
Lecto arenosa também percorreste assim como Enianas
E atravessaste Perrebo. Depressa chegaste em Iolco
E tu pisaste em Ceneu lá na Eubeia famosa por barcos.
Foste à planície em Lelanto, mas no coração não te aprouve
Para erigir o teu templo e teus bosques com árvores várias.
Lá percorreste o Euripo, ó Apolo que acerta de longe,
E sobre um monte sagrado chegaste, frondoso. Depressa,
A Micalesso partindo e a Teumesso de grama macia,
Tebas então alcançaste, um assento coberto por lenhos,
Pois na sagrada nenhum dos mortais habitava inda em Tebas.
Não existiam ainda caminhos nem mesmo veredas
Sobre a planície trigueira de Tebas, apenas floresta.
Ias ainda mais longe, ó Apolo que acerta de longe,
E de Posídon chegaste no bosque brilhante em Onquestro.
Lá um recém-adestrado potrinho se exalta, agastado
De carregar belo carro. E o piloto, por mais virtuoso,
Lança-se ao chão, da carroça, e se vai pela estrada. Entrementes,
Livres de seu condutor, os cavalos sacodem o carro.
Se eles destroem o carro no bosque com árvores várias,
Buscam-se apenas os potros e os carros se deixam de lado,
Pois desde o início era assim o costume. Depois, ao senhor,
Oram, e a moira do deus lhe resguarda ali mesmo a carroça.
Ias ainda mais longe, ó Apolo que acerta de longe.
Logo em seguida alcançaste de Céfiso a bela corrente,
Ela que, desde Lilaia, faz água fluir belamente.
Tendo a cruzado, Longínquo, e Ocaela de múltiplas torres,
Lá tu chegaste em seguida: a Haliarto coberta por grama.
Foste depois a Telfusa, onde o campo agradou-te, propício
Para erigir o teu templo e teus bosques com árvores várias.
Tu te puseste bem perto e disseste o seguinte discurso:

"Penso, Telfusa, em aqui construir um belíssimo templo
Que servirá como oráculo para os humanos, que sempre
Hão de trazer até este local hecatombes perfeitas
Ambos aqueles que habitam no Peloponeso abundante
E os habitantes da Europa e das ilhas cercadas por mar,
Todos em busca de oráculos. E eu, com alvitre infalível,
Proclamarei as respostas de dentro de meu rico templo."
Disse-lhe assim Febo Apolo e dispôs fundações por completo,
Amplas, contínuas e altíssimas. Tendo-as mirado, Telfusa
No coração se irritou e lhe disse o seguinte discurso:
"Febo, senhor que trabalha de longe, ao teu íntimo eu falo.
Visto que aqui tu planejas erguer um belíssimo templo,
Que servirá como oráculo para os humanos, que sempre
Hão de trazer até este local hecatombes perfeitas.
Mas vou dizer-te e no teu coração tu acolhe este dito:
Sempre te irá perturbar o clangor dos cavalos velozes
E o som dos mulos bebendo de minhas nascentes sagradas.
Um dos humanos irá preferir contemplar neste solo
Carros de bela feitura e o clangor de cavalos ligeiros
A um grande templo e tesouros variados que dentro se guardem.
Mas, caso te persuadas (pois mais poderoso e mais forte
És, meu senhor, do que eu; teu vigor é maior do que todos),
Faze-o em Crisa, debaixo das dobras do monte Parnaso.
Lá não te incomodarão belos carros e nem de cavalos
Ágeis clangor haverá ao redor do belíssimo altar,
Mas desse modo trarão para ti, Iepeônio, presentes
Tribos famosas dos homens. E em teu coração agradado
Receberás sacrifícios venustos dos homens vizinhos."
Tendo assim dito, o Longíquo no seu coração convenceu-se
De que a Telfusa haveria ali glória, mas não ao Longínquo.
Ias ainda mais longe, ó Apolo que acerta de longe.
E tu chegaste à cidade dos flégios, varões desmedidos,
Que sem se preocuparem com Zeus habitavam na terra
Numa clareira bonita bem próxima ao lago cefísio.
Rápido foste adiante, correndo à cadeia dos montes
E tu chegaste até Crisa ao sopé do Parnaso nevado,
Um contraforte virado ao Oeste. De cima do topo,
Pende um rochedo. Por baixo se estende uma vasta clareira,
Irregular. Decidiu o senhor Febo Apolo que lá
Erigiria o seu templo adorável e disse o discurso:
"Penso de fato em aqui construir um belíssimo templo
Que servirá como oráculo para os humanos, que sempre
Hão de trazer até este local hecatombes perfeitas
Ambos aqueles que habitam no Peloponeso abundante
E os habitantes da Europa e das ilhas cercadas por mar,
Todos em busca de oráculos. E eu, com alvitre infalível,
Proclamarei as respostas de dentro de meu rico templo."
Disse isso assim Febo Apolo e dispôs fundações por completo,
Amplas, contínuas e altíssimas. Logo depois, sobre as próprias,
Pétrea soleira em seguida puseram Trofônio e Agamedes,
Filhos nascidos de Ergino, queridos aos deuses eternos.
Tribos humanas depois incontáveis fundaram o templo
Feito com pedra lavrada, em canção para sempre cantado.
Perto existia uma fonte de bela corrente e a dragoa
Que o senhor filho de Zeus com seu arco potente matou,
Grande, nutrida, uma besta selvagem, que muitas misérias
Para os humanos causara na terra, não só a eles próprios
Mas para muitas ovelhas de longo novelo, um flagelo.
De Hera do trono dourado aceitou e criou certa vez
Tífon, cruel e terrível, flagelo dos homens mortais,
Que Hera engendrou certa vez por estar com Zeus pai furiosa
Visto que havia o Cronida gerado a ilustríssima Atena
Pela cabeça. De pronto ficou furiosa Hera augusta
E aos imortais reunidos, entre eles, falou o seguinte:
"Todos os deuses e todas as deusas, ouvi-me a maneira
Como começar a causar-me demérito Zeus junta-nuvens
Tendo me feito primeiro sua esposa sabida em cuidados!
Ele, apartado de mim, engendrou a glaucópida Atena,
Que se distingue entre todos os afortunados eternos.
O outro, porém, foi gerado inferior entre todos os deuses:
Meu filho Hefesto, que eu própria gerei, encurvado nas pernas,
Minha vergonha e vexame no céu, quem eu própria também
Com minhas mãos o tomei e lancei no interior do mar vasto.
Tétis, porém, a donzela nereida de argênteas sandálias,
O recebeu entre as suas irmãs e tratou de criá-lo.
Antes tivesse algum outro favor para os deuses ditosos!
Tu, ardiloso e cruel, o que agora planejas de novo?
Como sozinho tu ousaste gerar a glaucópida Atena?
Não a pudera gerar? Eu que sou tua esposa entre todos
Os imortais que possuem no céu sua vasta morada?
Cuida-te agora que eu não te planeje algum mal no futuro.
Sim, certamente, eu agora vou arquitetar que me nasça
Um filho meu que se distinguirá entre os deuses eternos
Sem que se traga vergonha a teu leito sagrado e a mim mesma.
E eu não irei a teu tálamo e, sim, apartada de ti,
Longe, bem longe eu irei conviver entre os deuses eternos."
Disse e afastou-se dos deuses com seu coração furioso.
Hera imprecou em seguida, a senhora dos olhos bovinos:
Com suas mãos deu um golpe na terra e lançou o discurso:
"Gaia e Urano, que vasto se estende por cima, escutai-me
E vós deidades titânicas que sob a terra demoram
No imenso Tártaro, das quais vieram os homens e os deuses:
Todos agora escutai minha prece e cedei-me um rebento
Longe de Zeus e que em nada lhe seja carente na força,
E sim fortíssimo, como Zeus Crônida de ampla visão."
Tendo isso dito bateu sobre o solo com mão vigorosa.
Gaia, que a vida carrega, moveu-se com isso, e ela, ao vê-lo,
Teve alegria em seu íntimo, crendo que se efetuaria.
Desde esse ponto, depois no decurso de um ano completo,
Ela não foi mais ao tálamo do astuciosíssimo Zeus,
Nem mais sentou em seu trono entalhado tal qual o fazia
Quando com ele sentada engendrava seus sólidos planos,
Mas, no seus templos de muita oração se mantendo em vez disso,
Hera dos olhos bovinos com dádivas se deleitava.
Mas, quando os meses e os dias por fim se fizeram completos,
O ano fechando o seu curso de novo chegaram as Horas,
E ela gerou um rebento dissímil aos deuses e aos homens,
Tífon cruel e terrível, flagelo dos homens mortais.
Hera, a senhora dos olhos bovinos, tomando-o em seus braços,
Deu-o à dragoa, trazendo-lhe um mal para um mal, que o aceitou.
E ele fez males diversos às tribos famosas dos homens.
Quem a encontrasse encontrava também o seu último dia
Antes de Apolo que atua de longe lançar-lhe uma flecha
Muito potente. Rasgada, destarte, por dores difíceis,
Ela tombou pelo chão debatando-se resfolegante.
Grito inumano, indizível, sooava por meio da mata
Densa enquanto agonizava. Seu ânimo então a deixou,
Sangue partindo das ventas. Então se gabou Febo Apolo:
"Sobre este solo que nutre guerreiros agora apodrece.
Nem tu, vivendo, uma vil perdição para os homens mortais
Existirás, aos que comem os frutos da terra abundante
E que trarão até este local hecatombes perfeitas.
Da dolorífica morte nem Tífon e a infame Quimera
Vão conseguir proteger-te, mas, pelo contrário, aqui mesmo
Gaia sombria e o fúlgido Hipérion irão decompor-te."
Disse-lhe assim, ufanando-se, e trevas cobriram seus olhos.
Ela ali mesmo desfez-se na força sagrada do Sol,
Causa ali se chamar hoje Pito e de ser o senhor
Pítio chamado por eles, epônimo, visto que ali
Mesmo desfez-se o portento na força afiada do Sol.
Logo depois, percebeu-o no seu coração Febo Apolo
Que se deixara enganar pela fonte de bela corrente.
Foi furioso a Telfusa e de pronto chegou até ela.
Pôs-se bem perto de pé e lhe disse o seguinte discurso:
"Não haverias, Telfusa, afinal, enganando-me a mente,
De possuir este amável local e fluir suas águas.
Existirá minha glória também por aqui, não só tua."
Disse-lhe Apolo, o senhor que trabalha de longe, e um rochedo
Cheio de pedras sobre ela lançou e escondeu a corrente.
Fez em seguida um altar em seu bosque de árvores várias
Próximo à fonte de bela corrente e o senhor, ali mesmo,
Todos evocam-no como Telfúsio ao fazer suas preces
Por ele ter feito humilde a corrente da sacra Telfusa.
Logo depois ponderava no seu coraçao Febo Apolo
O que os humanos iriam trazer para seus sacerdotes,
Os que seriam os seus servidores em Pito rochosa.
Considerando essas coisas, notou sobre o mar cor de vinho
Rápida nau em que havia varões numerosos e nobres,
Eram cretenses da Cnossos de Minos, que para o senhor
Dão sacrifício sagrado e anunciam o que é decretado
Por Febo Apolo da espada dourada, quanto ele profere
Dando respostas da sua oliveira no val do Parnaso.
Esses, por causa de ganho e negócios, num barco sombrio,
Rumo até Pilo arenosa e aos humanos nascidos em Pilo,
Iam singrando. Com eles porém se encontrou Febo Apolo.
Ele, em mar alto, saltou, transformado na forma em golfinho,
Sobre o navio e deitou-se, um enorme e terrível portento.
Deles, ninguém ponderou em seu íntimo a fim de entendê-lo,
Mas, sim, queriam tirar o golfinho, que a todos os lados
Rebuliçava a nau negra e fazia ranger as madeiras.
Eles, silentes, na nau se sentaram então, temerosos,
Nem liberaram os cabos do côncavo barco sombrio
Nem desfraldaram a vela da nau de oceânica proa,
Mas, como haviam de início prendido com cordas de couro,
Iam singrando dessa arte. Vivaz vento sul impelia
A nau veloz. Por primeiro passaram ao longo em Maleia.
Pelas encostas Lacônias depois à cidade marinha
Eles chegaram, na terra do Sol, que deleita os mortais,
Tênaro, pasto perene às ovelhas de densa lanugem
Do senhor Sol, ocupantes de um mais que agradável terreno.
Lá desejavam deixar o navio e, já desembarcados,
Compreender esse grande prodígio e checar com seus olhos
Se sobre a côncava nau, no convés, ficaria o portento
Ou se ao mar alto, repleto de peixes, de volta ele iria.
Mas ao timão o navio bem forjado não obedecia
E para o Peloponeso abastado, mantendo seu curso,
Ia-se. Apolo, num sopro, o senhor que trabalha de longe,
Ia guiando com facilidade. Cumprido o caminho,
Ele chegou em Arene e depois na adorável Argífea;
Foi até Trion, ao Alfeu em seu vau e à Epi bem-feita,
Rumo até Pilo arenosa e aos humanos nascidos em Pilo.
Foi navegando até Crunos, à Cálcida, ao longo de Dime
E pela Hélida celestial, onde reinam Epeios.
Quando rumava até Feras, no vento de Zeus exultando,
Apareceu-lhes debaixo das nuvens a itácia montanha,
Samos, Dulíquios também e Zacinto com árvores várias.
Tendo passado, porém, toda a costa do Peloponeso,
Indo até Crisa surgia adiante crescente a baía
A perpassar a extensão do riquíssimo Peloponeso.
Um vento enorme do oeste lhes veio por ordem de Zeus,
Do éter soprando furioso, que o mais velozmente o navio
Atravessasse o seu curso sobre a água salina do mar.
Logo depois, rumo à aurora e também rumo ao sol, de retorno,
Iam singrando. Guiava-os o filho de Zeus, rei Apolo.
Foram então para a célebre Crisa de muitos vinhedos,
Onde, no porto, atracaram a nau singradora de mares.
Logo desceu o senhor de longínquos trabalhos, Apolo,
Como uma estrela no meio do dia. A partir de ele próprio,
Relampejavam faíscas: seu briho chegava até o céu.
No santuário ele então adentrou entre trípodes faustas.
Lá acendeu uma chama, tornando evidentes as setas:
Toda a cidade de Crisa brilhou e as mulheres gritaram,
Ambas esposas e fihas de bela cintura dos crísios
Pela esplendência de Febo, que grande temor lhes causava.
Rápido qual pensamento, saltou sobre o templo, voando,
Assemelhado na forma a um varão muito forte e robusto,
No auge da idade, madeixas cobrindo seus ombros extensos.
Logo falando lhes disse as seguintes palavras aladas:
"Quem, estrangeiros, sois vós? Donde vindes nas sendas marinhas?
Sois mercadores talvez ou acaso vagais sem ter rumo,
Como piratas, ladrões que no dorso do mar perambulam
Pondo a existência em perigo, levando desgraças aos outros?
Qual a razão de sentardes com medo, sem mesmo na terra
Desembarcardes, guardando no barco sombrio a equipagem?
Este de fato é o costume entre os homens de fainas marinhas:
Todas as vezes que chegam do mar sobre o barco sombrio,
Enfastiados de todas as fainas, imediatamente
Seu coração é tomado em desejo por doce comida."
Ele falou desse modo e dispõs-lhes coragem no peito.
Disse-lhe, então, em resposta o caudilho dos homens cretenses:
"Visto, estrangeiro, não seres semelho a algum homem mortal,
Nem na estatura e na forma, mas, sim, a algum deus imortal,
Eu te saúdo de todo! Que os deuses te façam feliz!
Isto contudo me dize em verdade, que bem eu o saiba:
Qual a cidade? Que terra? Que homens existem aqui?
Nós, planejando outra rota, singrávamos para o mar grande,
Indo até Pilo de Creta, da qual nos gabamos nativos.
Mas com a nau dessa forma singramos contrário à vontade
(Que é de retorno) a diverso caminho, a diversas veredas.
Sem que o quiséssemos, um dos eternos nos trouxe até aqui."
Disse em resposta a eles todos Apolo que longe trabalha:
"Vós, estrangeiros, que em Cnossos com árvores várias vivíeis
Antes, agora não mais estareis de retorno de novo
Para a cidade amorável e as belas moradas que tendes,
Para as esposas queridas, mas, sim, a este templo abastado,
Que guardareis, pois é meu e estimado por muitos humanos.
Eu sou o filho de Zeus. Sou Apolo: é quem gabo de ser.
Eu vos guiei até aqui sobre o abismo gigante do mar,
Sem planejar nenhum mal, mas levando a este templo abastado,
Que guardareis, pois é meu e honradíssimo pelos humanos.
Dos imortais sabereis os desígnios, e graças a eles
Sempre tereis muitas honras, completas, por todos os dias.
Vinde portanto! Conforme vos digo acatai prontamente!
Primeiramente abaixai vossas velas, soltando os cordames.
Logo em seguida levai vosso barco veloz para a terra.
Vossos pertences e as armas tomai do simétrico barco
E construí na sequência um altar sobre a beira do mar.
Tendo acendido uma chama sobre ele e ofertado grãos claros,
Postos em torno do altar vós deveis fazer prece em seguida.
Do mesmo modo como eu por primeiro no mar nebuloso,
Feito golfinho na forma saltei sobre o rápido barco,
Dessa maneira invocai-me Delfínio. O altar, todavia,
Deve também para sempre chamar-se Delfínio, conspícuo.
Logo em seguida, ceai junto ao rápido barco sombrio
Com libações para os deuses ditosos que vivem no Olimpo.
Quando o desejo por deliciosa comida afastardes,
Vinde comigo e conjuntos iremos cantar 'Iê Peã!'
Rumo ao local onde ireis resguardar o meu templo abastado."
Disse ele assim. Sobremodo escutaram-no e obedeceram.
Primeiramente abaixaram as velas, soltando os cordames.
Logo desceram o mastro e puseram-no sobre os dormentes.
Desembarcaram e foram depois até a beira do mar.
Logo levaram o barco veloz desde o mar para terra,
Alto na areia, e esticaram enormes suportes por baixo.
E construíram depois um altar sobre a beira do mar.
Tendo acendido uma chama sobre ele e ofertado grãos claros,
Postos em torno do altar conduziram a prece ordenada.
Logo cearam ao lado do rápido barco sombrio
Com libações para os deuses ditosos que vivem no Olimpo.
Quando o desejo de se alimentar e beber afastaram,
Foram embora. Guiava-os Apolo, o rei filho de Zeus,
Tendo sua lira nas mãos, dedilhando de forma amorável,
Com elevadas e belas passadas. Marchando, seguiam
Esses cretenses a Pito e cantavam assim 'Iê Peã!',
Como os cantores peônicos vindos de Creta, aos que a Musa
Pôs em seus peitos a deusa uma melodiosa canção.
Inabaláveis ao cume avançaram a pé e alcançaram
Logo o Parnaso e o terreno adorável no qual haveriam
De se fixar no futuro, estimado por muitos humanos.
Lá lhes mostrou o santuário sagrado e seu templo abastado.
Mas agitavam-se os seus corações no interior de seus peitos.
Disse-lhe, então, inquirindo, o caudilho dos homens cretenses:
"Rei, se distante da terra paterna e dos entes queridos
Já nos trouxeste, pois foi-te adequado no teu coração,
Como que nós viveremos agora? Exigimos dizê-lo.
Nem para pastos é boa esta terra nem para vinhedos,
Qual viveríamos bem e aos humanos daríamos guarda."
Com um sorriso, então, disse-lhe Apolo, nascido de Zeus:
"Tolos humanos! Vós sois miseráveis, a quem sofrimentos,
Dores e penas terríveis aprazem ao íntimo peito.
Eu vos direi facilmente, mas no coração ponde o dito:
Mesmo que cada um de vós, segurando um facão com a destra,
Sacrificasse contínuas ovelhas, jamais findariam;
Tantas trarão para mim as famosas famílias humanas.
Logo guardai o meu templo e acolhei as famílias humanas
Que para cá vão juntar-se, mas minha vontade mormente
Apresentai aos mortais. Tu, no teu coração, guarda as leis.
Mas, caso alguém tolamente não cumpra, nem ouça os avisos,
Ou caso exista algum dito insensato ou talvez algum feito
Ou desmedida, conforme é o costume entre os homens mortais,
Outros varões, nesse caso, é que irão ser os vossos senhores:
Forçosamente vos submeterão pelo resto dos dias.
Tudo está dito. No teu coração, tu agora o resguarda."
Eu te saúdo, portanto, nascido de Zeus e de Leto!
Ora de ti eu irei me lembrar e de uma outra canção!

Comentários

  1. Professor Leonardo, quando vai cantar um pouco desses belos versos para alegrar os dias, as horas, as noites de muitos de nós? Agradeço muitíssimo.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas