Lord Byron, Escuridão (trad.: C. Leonardo B. Antunes)


Eu tive um sonho, que não foi de todo um sonho.
O sol brilhante se extinguira, e as estrelas
Vagueavam soturnas pelo espaço eterno,
Opacas e perdidas, e a gélida terra
Rodava a cego em negra ausência de luar;
A aurora veio e foi-se, sem trazer o dia;
E os homens esqueceram as paixões no medo
De sua própria morte; e cada coração
Gelou-se em egoísta prece pela luz:
E eles viveram junto a fogueiras – e os tronos,
Os palácios de reis coroados – cabanas,
As moradas de todas as coisas que existem,
Foram postas ao fogo; cidades arderam,
E os homens ao redor de suas casas em chamas
Vinham de novo olhar-se no rosto um do outro;
Felizes os que residiam dentro do olho
Dos vulcões, e de sua tocha montanhosa:
Restava apenas tímida esperança ao mundo;
Florestas incendiavam-se – mas hora a hora
Tombavam e sumiam – e os troncos partindo
Num tombo se apagaram – e tudo era escuro.
Os semblantes dos homens à luz fenecente
Tinham aspecto desumano, como em surtos
Os clarões os tocavam; alguns se deitavam
E encolhidos choravam; outros descansavam
Os queixos em suas mãos unidas e sorriam;
E outros corriam lá e cá e alimentavam
Suas piras com combustível e miravam
Com inquieta loucura para o turvo céu,
A mortalha de um mundo morto; e então de novo
Praguejando tombavam o olhar à poeira,
Rangiam dente e uivavam; as aves gritavam
E apavoradas debatiam-se no solo,
Batendo inúteis asas; as feras mais brutas
Tremiam dóceis; e serpentes rastejavam
E se enroscavam entre os pés da multidão,
Sibilando indefesas – viraram comida.
E a Guerra, que por um momento não havia,
De novo se fartou; comida era comprada
Com sangue, e cada um se saciava à parte,
Devorando tristeza: o amor se acabara;
Toda a terra era um só pensamento – de morte,
Imediata e ingloriosa; e a aflição 
Da fome alimentou-se das entranhas – homens
Morreram, insepultos os ossos e as carnes;
O parco pelo parco assim foi devorado,
Cães atacavam mestres, todos menos um,
Que era fiel a um cadáver e mantinha
Longe pássaros, feras e homens esfaimados,
Até vencê-los fome ou um morto tombando
Chamar seus dentes rotos; ele não caçava,
Porém com um constante e tristonho gemido,
E súbito ganido ao que lambia a mão
Que não lhe respondia um carinho – morreu.
A massa se esfaimava aos pouquinhos; mas dois
De uma enorme metrópole sobreviveram,
Eram dois inimigos: ambos se encontraram
Junto das brasas morituras de um altar
Onde houvera uma pilha de objetos sagrados
Para um uso profano; com gélidas mãos
Esqueléticas, revolveram e rasparam
As débeis cinzas e soprando débil sopro
De brevíssima vida fizeram um fogo
Que era patético; depois os dois ergueram
Os olhos ao esclarecer um pouco e olharam
Seu mútuo aspecto – viram, gritaram, morreram –
Da sua própria hediondez eles morreram,
Incônscios de quem era o semblante em que a fome
Escrevera Inimigo. O mundo estava vago,
O populoso e poderoso era um torrão,
Sem estações, sem plantas, sem homens, sem vida –
Torrão de morte – caos perfeito em dura argila.
Os rios, os lagos e oceanos se sustinham,
E nada se movia em seu cerne silente;
Navios sem nautas apodreciam no mar,
E seus mastros se esfarelavam: ao cair
Dormiam sobre o abismo sem tensão nenhuma –
As ondas, todas mortas; as marés, na tumba;
Os ventos feneceram no ar estagnado,
E as nuvens pereceram; a Escuridão já
Não precisava delas – Ela era o Universo.

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