O CUBO (C. Leonardo B. Antunes)

I

cada dia de trabalho,
cada hora cuidadosamente dispensada
ao diuturno esforço para cumprir os contratos de trabalho,

aumenta um pouco mais o Cubo

II

saiba-se que o Cubo
é tudo quanto existe
e tudo quanto deve existir

em hipótese alguma
será tolerado um ato violento
contra o Cubo

III

há somente dois tipos de ser humano

primeiro, os cidadãos,
que trabalham na construção e na manutenção do Cubo,
cada um responsável por uma mínima parte de seu imperioso funcionamento
(ainda que nenhum, em hipótese alguma, deva conhecer a função de seu trabalho),
cumprindo contratos para a confecção de parafusos, porcas, engrenagens,
planejando a miríade de cômodos cúbicos que compõem o Cubo,
ora vazios e assépticos,
ora perfilados pelas mais mortais armadilhas que a tecnologia permita,
a fim de eliminar 

o segundo tipo de ser humano, os parasitas,
vândalos anarquistas que questionam o funcionamento do Cubo,
inúteis incapazes de produzir novas peças para o Cubo
a fim assegurar sua imperiosa expansão

IV

o objetivo de todo contrato de trabalho no Cubo
é cumprir o contrato de trabalho recebido para trabalhar no Cubo

com isso se recebem os meios para viver dentro do Cubo
nos mais assépticos de seus cúbicos cômodos

V

quanto mais distante for o produto de um trabalho
de sua real aplicação dentro do Cubo
maior será seu pagamento

todos competem pelos mais complexos trabalhos,
de inescrutável aplicação prática dentro do Cubo,
mas apenas os melhores podem tê-los

apenas os piores,
por trabalharem diretamente próximo dos cômodos armadilhados,
encontram-se na iminência de compreender a função de seu trabalho
e, com isso, o funcionamento do Cubo

VI

por ocasionar profunda depressão, tendências suicidas
e eventual degeneração na ética de trabalho para o progresso do Cubo,
a compreensão do funcionamento do Cubo
é desaconselhada pelo ministério da saúde cúbica

VII

para ir ao trabalho,
todo dia é necessário vaguear pelo labirinto de cômodos do Cubo,
que a cada noite mudam de posição
para melhor surpreender os que se recusam a trabalhar no Cubo

é dever de cada cidadão
evitar as armadilhas do Cubo

é dever de cada cidadão
acreditar que os melhores são aqueles que sobrevivem
ao aleatório passeio pelos corredores armadilhados do Cubo

VIII

há êxtase em ser um dos melhores

IX

a morte dos piores purifica o Cubo de potenciais parasitas

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