John Keats, Ode a um Rouxinol (trad.: C. Leonardo B. Antunes)
Meu coração padece e um torpor sonolento
Me assalta a mente, como se eu me envenenasse,
Ou se sorvesse um opiáceo há um momento
Recém-passado, e para o Lete me afundasse.
Não é por invejar-te tua feliz fortuna,
Mas, sendo tão feliz em tal felicidade,
Que tu, diáfana deidade das florestas,
Em mélica tribuna
De verdes plantas e sombrosa variedade,
Cantas sobre o verão com calma manifesta.
Quem dera um gole de vindima! que tivesse
Esfriado por eras na terra escavada,
Com o sabor de Flora e campesinas messes,
Dança e canto em Provença, e farra ensolarada!
Quem dera uma caneca com o ardor sulino,
Cheia do verdadeiro, viçoso Hipocrene,
Com belas bolhas me piscando do bocal,
E o lábio purpurino,
Que eu beba e deixe o mundo sem quem me condene
E contigo me esvaia no breu florestal.
Esvair-me à distância, sumir e esquecer
Aquilo que nas árvores jamais soubeste,
O esgotamento, a febre e a angústia de viver
Aqui, onde sofremos sofrimento agreste;
Onde a paralisia move tristes cãs,
Onde os jovens desbotam, sem viço e perecem;
Onde apenas pensar já traz melancolia
E agonias malsãs;
Onde os olhos lustrosos da Beleza descem
Longe do olhar que um novo Amor ofertaria.
Vamos! Vamos! Que irei voando acompanhar-te,
Não levado por Baco em sua carruagem,
Mas nas inescrutáveis asas de minha Arte.
Inda que os pensamentos me desencorajem,
Já estou contigo! A noite, amena, se traduz,
E feliz a Rainha-Lua já se entrona,
Cercada por um véu de fadas siderais;
Mas aqui não há luz,
Exceto o que do céu as brisas impulsionam
Por verdejante sombra e trilhas espirais.
Eu não enxergo as flores junto dos meus pés,
Nem qual incenso leve sobre os galhos voa,
Mas, indo de veladas trevas através,
Adivinho a doçura com que o mês coroa
A grama, o arbusto e as árvores de frutas feras;
O alvo espinheiro e a madressilva pastoral;
Efêmeras violetas, por folhas cobertas,
E a que da primavera
Nasceu primeiro, a rosa mosqueta, vernal,
O murmúrio das moscas nas tardes abertas.
Soturno escuto; e por um tempo prolongado
Fui quase apaixonado pela calma Morte;
No meu verso a chamei por nomes delicados,
Para privar-me o peito do ar que é seu suporte.
Agora, mais que nunca, alegre eu morreria,
Cessaria na noite sem nenhuma dor
Enquanto tu derramas tua alma afora
Com tamanha alegria!
Ainda assim tu cantarias, e em torpor
Teu réquiem embalara minhas últimas horas.
A morte não te espanta, Pássaro imortal!
Nenhuma geração faminta te espezinha;
A voz que agora eu ouço, num tempo ancestral,
Ouviram um imperador e uma adivinha:
Talvez a mesma música que achou açude
No coração de Rute quando, em nostalgia,
Quedou em lágrimas num milharal sem dó.
A mesma que amiúde
Fez abrir escotilhas com sua magia
Em perigosos mares encantados, só.
Só! A própria palavra soa como um sino
Para de junto a ti trazer-me à solidão!
Adeus! O pensamento não tem bom destino;
Não duram os enganos da imaginação.
Adeus! Adeus! Teu canto de lamúria some
Além dos campos próximos, num calmo rio,
Sobre a face dos montes; e agora se enterra
Em um vale sem nome:
Tivera uma visão ou um sonho doentio?
Foi-se a canção: começa a vigília ou se encerra?
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