Epinício fúnebre à vitória que tivemos (C. Leonardo B. Antunes)


            I

            De áurea lira não careço, Musa: a violinha
            Já constrange como um luxo além do permissível.
            Não é fás dourarem-se estas notas se outras notas
            Permanecem intocadas pelas pautas, mudas.

            A vitória que hoje canto não se sabe ao certo
            Qual o fim que irá trazer aos filhos brasileiros,
            Pois meu canto triste de vitória se acompanha
            Por um cântico odioso, alheio e medievo.

            Mesmo assim é lícito louvar a presidenta,
            Cujo título contrário à norma se valida
            Como manifesto da necessidade urgente
            De se confrontar a norma quando a norma frustra
            Que sejamos algo que já somos desde sempre.

            II

            Norma, deusa, não se faz apenas legislando.
            Norma compreende tudo que os costumes ditam.
            Norma, desde tempos ancestrais, já se sabia
            Ser esposa do poder, de Zeus, de quem és filha.

            Norma diz que pobre é vagabundo, negro é feio,
            Nordestino é sujo, gay é sempre libertino.
            Norma exclama que mulher é burra, quer dinheiro,
            Que se não se cobre está pedindo por estupro.

            Mas, pior de tudo, norma pensa que não pensa
            Nada disso enquanto se propaga mesmo em meio
            Dos que mais castiga, como se no repetir-se
            De atos e palavras do opressor os oprimidos
            Conseguissem finalmente se sentir direitos.

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