Elegia para meu avô Edgard (C. Leonardo B. Antunes)
I
Morreste às dez da noite, meu avô.
Às três da tarde irão depositá-lo
Na cova em que enterramos minha avó
Num dia ensolarado há tantos anos.
Fechaste os olhos ontem, meu avô,
Mas desde aquele dia ensolarado
Vieste falecendo pelos cantos,
Semelho a sonho posto à luz do dia.
Quiseras o divórcio, meu avô,
Mas ele veio tarde e sem aviso,
Talvez já nem quisesses mesmo tê-lo,
Ou por querê-lo tu te torturaste.
II
Mas lembro-me de ti sentado à mesa,
Quando éramos pequenos, eu e o mundo,
E tudo que eu queria nesta vida
Era ser como tu, policial.
Tu chegavas de noite com jaqueta
Escura e perguntavas para mim
"Vamos lá ver se tem algum filmão?".
E então nós víamos um bangue-bangue.
De dia só comias macarrão,
Espaguete com molho de tomate.
Fiquei gordo de tanto copiar-te;
Não coube na jaqueta que te herdei.
III
Agora voltarás à terra inerte,
Deixando para trás o filho, a filha
E cinco netos dentre os quais me incluo
E incluindo-me entendo de onde vim.
É lícito decerto agradecer-te
Por ter criado o filho que é meu pai,
Que me criou tentando ser correto
Em tudo da maneira que tu foste.
Quisera ter mais coisas a dizer-te,
Mas mesmo vivo pouco conversamos.
Dizias pouco e apenas escutavas.
Então, escuta, meu avô, se podes.
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