Hino Homérico 19, a Pã (trad.: C. Leonardo B. Antunes)

Conta-me, Musa, a respeito do filho querido de Hermes,
De pés de bode, bicórneo, um amante de toda algazarra,
Ele que vaga por prados arbóreos com ninfas dançantes,
Que, colocando-se à beira, no cume de um monte escarpado,
"Pã!" vão chamando, a deidade pastora, de cachos brilhantes,
Deus descuidado, que os picos nevados obteve por lote
Junto da crista dos montes e cimos cobertos de pedras.
Ele vagueia de lá para cá pelas matas cerradas:
Ora por ser atraído por brandos percursos de rios
E ora de novo passando por rochas de enorme feitura
Chega ao mais alto dos cumes, com vista aos rebanhos de cabras.
Frequentemente ele corre por grandes montanhas brilhantes.
Frequentemente ele abate animais sobre os ombros dos montes –
Vista incisiva. Somente de noite, voltando sozinho
De uma caçada é que então ele toca na flauta suas notas
Doces. Não se igualaria com ele em canção nem mesmo ela,
Ave que, na primavera florida no meio das folhas,
Faz ressoar o seu canto melífluo vertido num treno.
Ninfas montesas de claro cantar junto dele se movem
Nesse momento com pés bem firmados, cantando na fonte
De águas escuras, com Eco gemendo ao redor da assomada,
E a divindade de um lado para o outro e no meio do coro
Guia com pés graciosos. No dorso ele traz uma pele
Toda pintada, de lince, e deleita-se em claras canções
Num tenro prado onde crescem jacinto oloroso e açafrão
Conjuntamente e sem ordem, florindo por entre o gramado.
Cantam com hinos os deuses ditosos e o Olimpo altaneiro.
De uma deidade como Hermes, que traz tanta sorte, mormente
Falam: de como de todos os deuses é o núncio veloz
E da chegada em Arcádia que é mãe de rebanhos, de fontes
Múltiplas, onde há seu têmeno como patrono em Cilene.
Lá, mesmo deus, pascentava as ovelhas de pelo encrespado
Para um mortal, pois lhe veio e cresceu-lhe um desejo lascivo
Pela nascida de Dríope, ninfa de belos cabelos.
Lá fez o seu matrimônio florente. Na casa ela deu
Um filho amado para Hermes, incrível de ver desde o berço:
De pés de bode, bicórneo, amador da algazarra, risonho.
Mas, quando viu o seu rosto ferrenho e coberto de barba,
A ama se pôs a correr, assustada, e deixou o menino.
Hermes, então, o que traz boa sorte, o tomou prontamente
Em suas mãos. Muito grato na mente mostrava-se o deus.
Súbito foi ao palácio dos deuses, levando o menino
Todo envolvido nas peles de lebres montesas, espessas.
Junto de Zeus e dos outros eternos então se sentou
E apresentou o seu filho. Alegraram-se todos no espírito
Os imortais e Dioniso Bacante inda mais do que os outros.
"Pã" o chamaram, pois todos os ânimos ele alegrava.
Salve, portanto, senhor! Eu procuro aplacar-te em canção!
Ora de ti eu irei me lembrar e de uma outra canção!