Hino Homérico 2, a Deméter (trad.: C. Leonardo B. Antunes)


Canto Deméter, de belos cabelos, deidade solene,
Junto da filha de esguios tornozelos, a quem Edoneu
Arrebatou por presente de Zeus de ampla vista, troante,
Longe Deméter de espada dourada, de fruto brilhante,
Quando brincava entre as oceaninas, de bustos profundos,
De colher flores de rosa, açafrão e violetas bonitas,
Sobre um gramado macio, e de íris bem como jacinto,
E de narciso – num dolo de Gaia à garota florente
Dentro do plano de Zeus, alegrando o que tudo recebe –,
Maravilhoso e brilhante: um espanto de ver para todos,
Para os eternos divinos e para os humanos mortais.
Dele a partir das raízes cem brotos de flor despontavam.
Dúlcido odor exalava, tão doce que tudo, do céu
À vasta terra e até a onda salina do mar lhe sorriu.
Maravilhada, buscou alcançá-lo com ambas as mãos,
Belo ornamento. Porém a vastívia terra se abriu
Junto à planície de Nisa e o que tudo retém irrompeu
Com montaria imortal, o Cronida de múltiplos nomes.
Tendo-a tomado contrário à vontade, ao palácio dourado
Foi-se com ela em lamentos. Gritava com voz incessante
Súplica ao pai que de Crono nasceu, o mais alto e mais nobre.
Nenhum dos deuses eternos, nenhum dos humanos mortais
Pôde escutar sua voz, nem olivas de frutos brilhantes,
Mas a donzela nascida de Perses, de tenro pensar,
Hécate, do diadema esplendente, da gruta a escutou,
E Hélios também, o senhor que de Hipérion nasceu, reluzente,
Ouve o pedido da moça ao pai Crônida, mas apartado
Dos demais deuses estava, em seu templo onde muitos suplicam,
A receber oferendas venustas dos homens mortais.
Contra a vontade a levava (seguindo um alvitre de Zeus,
Pai da donzela, e irmão do que tudo retém e recebe)
Com imortal montaria o Cronida de múltiplos nomes.
Quanto ainda pôde mirar para terra e pro céu estrelado,
E para o mar de correntes possantes, repleto de peixes,
E para o brilho do sol, ela teve esperança de ver
A mãe zelosa e a família dos deuses eternossurgentes:
Tanto a esperança acalmava-lhe a mente sobeja na dor.
... E ressoaram os cumes dos montes e o fundo do mar
Junto da voz imortal: escutou-lhe sua mãe senhoril.
Dor aguçada assaltou-lhe no seu coração. Das madeixas
Ambrosiais, a mantilha rasgou com as mãos, em pedaços;
De ambos os ombros lançou para o chão o seu manto ciânico
E disparou como um pássaro ao longo da terra e das águas,
A procurar. Mas dizer a verdade não houve ninguém
Dentre os divinos nem dentre os humanos mortais que o quisesse,
Nem dentre as aves – nenhuma lhe foi mensageiro veraz.
Por nove dias depois pela terra, a senhora Deméter
Foi-se vagando com tochas acesas levadas às mãos.
Nem de ambrosia jamais nem de néctar, delícia potável,
Se alimentou, sofredora, nem água em seu corpo aspergiu.
Mas, quando a décima aurora chegou até ela, brilhante,
Hécate veio encontrá-la trazendo luzeiros nas mãos
E anunciando-lhe então proferiu a palavra e falou:
"Dona Deméter, que guia as sazões, donatária de luz,
Quem dentre os deuses celestes ou dentre os humanos mortais,
Rapta Perséfone e causa-te dor para o teu coração?
Voz eu ouvi, mas não pude contudo enxergar com os olhos
Quem o seria. De pronto, professo-te tudo sem erro."
Hécate assim lhe falou, mas não houve resposta em discurso
Vinda da filha de Reia, que subitamente com ela
Vai-se, com tochas acesas brilhando, portadas nas mãos.
A Hélios, chegaram, vigia dos deuses bem como dos homens.
Frente aos cavalos puseram-se e a deusa entre as deusas lhe disse:
"Hélios, ao menos, respeita-me, deusa que sou, se jamais
Minhas palavras ou feitos ao teu coração te aqueceram.
Moça eu gerei, um rebento tão doce, esplendente na forma.
Dela, pelo éter infértil, eu ouvi um gemido adensado
Como sofresse, porém com os olhos não pude mirá-la.
Tu, todavia, por tudo que existe na terra e no mar,
Do alto do éter divino perscrutas usando teus raios.
Diz-me sem falha: o querido rebento – se acaso tu viste –,
Quem, apartado de mim, agarrando em forçosa violência,
Foi que o levou, se um dos deuses ou um dos humanos mortais."
Disse-lhe assim. Em resposta o nascido de Hipérion falou-lhe:
"Filha de Reia, de belos cabelos, senhora Deméter,
Tu saberás, pois venero-te muito e de ti me apiedo,
Sôfrega pela menina de esguio tornozelo: não outro
Foi causador dentre eternos senão o nubícogo Zeus,
Que a concedeu para Hades chamá-la de esposa formosa;
Deu-a ao irmão, que, por vez, para o fundo do breu nevoento,
Rapta-a e a carrega em seu carro por mais que ela muito gritasse.
Cessa, contudo, divina, esse ingente gemido. Não deves
Ter tanta cólera em vão dessa forma. Não é um impróprio
Genro entre eternos aquele, Edoneu, o de múltiplos nomes:
É teu irmão; foi gerado em conjunto; também – quanto às honras
Que ele ganhou, quando em três a partilha foi feita de início –,
Entre os que vivem consigo, seu lote é ser rei sobre todos."
Tendo assim dito chamou os cavalos. Por sob ameaças,
Logo carregam o carro veloz quais alígeras aves.
Nela, vem dor mais terrível e infame no seu coração.
Pelo Cronida de nuvens escuras irada a tal ponto,
Ela apartou-se da grege divina e do Olimpo elevado
Indo às cidades dos homens e para seus fartos cultivos,
Branda em beleza por longo interstício. Ninguém dos varões
A distinguiu quando a viu, nem das damas de funda cintura,
Antes de que ela chegasse na casa do experto Celeu,
Que era senhor, nesse tempo, de Elêusis fragrante em incenso.
Com coração dolorido, sentou-se por perto da estrada,
Junto do poço da virgem, de que os cidadãos aduavam,
Num sombreado debaixo de onde cresciam olivas,
Assemelhada a uma velha vetusta, que da gestação
Já se gastou e dos dotes da amante de láurea Afrodite, 
Da qualidade das amas de reis que ministram as leis
E governantas de infantes ao longo de ecoantes alcovas.
Viram-na as filhas do filho nascido de Elêusis, Celeu,
Vindo por água de fácil extração, que depois levariam
Dentro de jarras de bronze a caminho da casa paterna.
Quatro elas eram, quais deusas, ornadas na flor juvenil:
Bela Demó e Calídice, junto a Clesídice e ainda
Calitoé, que entre todas as outras nascera primeiro.
Não a souberam: os deuses são árduos de ver por mortais.
Pondo-se próximas dela, disseram palavras aladas:
"Quem és e donde, anciã, que nasceste entre os homens de outrora?
Qual a razão de partires da pólis, e nem das moradas
Te aproximares? Aqui há mulheres nas casas vultosas,
Velhas assim como tu, bem como outras mais jovens também.
Ambas teriam a ti por amiga em palavras e em atos."
Isso disseram. Então respondeu a senhora das deusas:
"Filhas queridas – quem quer que vós fordes em meio às mulheres –,
Eu vos saúdo e vos digo ademais que não é vergonhoso
Pronunciardes discursos dizendo palavras verazes.
Eu sou chamada Dosó. Deu-me o nome a senhora materna.
Vim logo agora de Creta no dorso comprido do mar,
Mesmo que não o quisesse, forçada em forçosa violência.
Homens ladinos levaram-me embora. Depois, em seguida,
Foram com rápida nau para Tórico. Lá, as mulheres
Desembarcaram em grupos, seguidas por eles,
E preparavam banquete do lado da proa da nau.
Mas coração não me aprouve o repasto gentil para mente.
Desembarcando em segredo, através da melânica terra,
Eu escapei dos meus mestres soberbos, que enfim não lucrassem
Com minha honra por me carregarem à venda no mar.
Vim para cá dessa forma, uma errante. Tampouco sabia
Qual era a terra e quem eram aqueles que aqui são nascidos.
Que vos concendam contudo os que fazem morada no Olimpo,
Todos, varões que vos sejam esposos, e dar luz a filhos,
Como desejam os pais: mas de mim tende pena, meninas.
Isso me estabelecei claramente, que assim eu o saiba,
Filhas queridas, zelosas, de quem é a casa a que chego?
De qual varão ou senhora? Que assim eu os sirva, zelosa,
Nos afazeres cabíveis a velhas mulheres fazerem.
Para um bebê neonato, levado em meus braços dobrados,
Belo cuidado daria e também manteria o palácio,
Esticaria os lençóis no interior das alcovas bem-feitas
Do meu senhor e os trabalhos iria ensinar às mulheres."
Disse a deidade. Depois, respondeu a virgínea donzela
Dita Calídice, que era a mais bela entre as filhas celeias:
"Mãe, os presentes dos deuses, por mais que soframos à força,
Nós suportamos, humanos, pois são bem mais fortes que nós.
Vou te dizer claramente isso tudo e informar-te por nome
Quais os varões a quem há um enorme poder nesta terra,
Eles que têm o respeito do povo e a mantilha da pólis
Salvam por meio do alvitre e da sua justiça escorreita:
Ambos Triptólemo de resoluta vontade e Diócles,
E Polixeno também junto do irreprovável Eumolpo,
Junto de Dólico bem como de nosso pai varonil.
Há para todos esposas que cuidam do lar nos palácios.
Dentre elas todas, não há quem iria à primeira das vistas,
Desestimando-te a forma, da casa por isso expulsar-te,
Mas, sim, irão receber-te, pois és claramente deiforme.
Se tu quiseres, espera, que iremos à casa paterna
Para informar nossa mãe, Metaneira de funda cintura,
Desses assuntos, de todos, a fim de que sejas chamada
À nossa casa, não tendo que uma outra morada buscar.
Ela possui um só filho, tardio, no palácio bem-feito,
Tardinascido, mas muito bem-vindo após múltiplas preces.
Se tu puderes criá-lo até ter a medida de jovem,
Mui facilmente qualquer das femíneas mulheres, ao ver-te,
Te invejaria: são dádivas tais que em criá-lo terias."
Disse-lhe assim. Assentiu por sua vez com o rosto. Luzentes
Baldes então tendo enchido com água, carregam, briosas.
Logo chegaram no enorme palácio paterno e contaram
Rápido à mãe o que viram e ouviram. Mais rápido ainda,
Vindo ordenou que a chamassem a fim de ter paga infinita.
Elas, quais cervos ou mesmo bezerros que na primavera
Vão saltitando num prado, aplacado o desejo com pasto,
Elas assim, segurando nas dobras das vestes amáveis,
Iam correndo por via deserta. Ao redor, os cabelos
Sobre seus ombros fluíam semelhos à flor do açafrão.
Próximo à estrada encontraram a deusa esplendente onde a haviam
Antes deixado. Depois para a casa do pai estimado
Foram à frente. Detrás com o seu coração dolorido,
Ela seguia com rosto abaixado. Ao redor, um vestido
Cor do oceano envolvia-lhe os pés delicados de deusa.
Logo a mansão de Celeu alcançaram, aluno de Zeus.
Foram adentro do pórtico até onde a mãe senhoril,
Junto à coluna do teto de firme feitura, sentava
Com um bebê neonato no colo. Acorreram-lhe as filhas.
Mas, quando pôs os seus pés na soleira, alcançou o batente
Com a cabeça e um divino esplendor preencheu os umbrais.
Por reverência, respeito e esverdeado temor foi tomada.
De seu assento se ergueu e ordenou que ela ali se sentasse.
Mas não Deméter que guia as sazões, donatária de luz:
Não desejou se assentar sobre o trono de aspecto brilhante,
Mas se mantinha silente com seus belos olhos baixados
Antes de Iambe, sabendo cuidados, dispôr para ela
Outra cadeira, do lado, e cobri-la com peles argênteas.
Lá se sentando, mantinha seguro nas mãos o seu véu.
Por muito tempo, sofrendo silente, quedou sobre o banco.
Nem por palavras saudava as pessoas tampouco por gestos,
Mas sem risada, mantendo o jejum, sem comer nem beber,
Ela minguava à saudade da filha de funda cintura,
Antes de Iambe, sabendo cuidados, por meio de troças
Muitas, fazendo piadas, mudar a solene senhora
Para se rir e sorrir e ter ânimo mais benfazejo.
(Ela mais tarde também, num porvir, agradou seus humores.)
Oferecia-lhe então Metaneira uma taça que enchera
Com vinho doce qual mel, mas não quis. Disse impróprio tomar
Vinho vermelho. Mandava que dessem cevada com água
Mistas, a fim de tomar com um toque gentil de poejo.
Feita a poção, ofertou-a conforme pedira, à deidade.
Tendo a aceitado por sacro costume, Deméter excelsa
... Principiou Metaneira de bela cintura a falar-lhe:
Salve, mulher! Eu não temo que vinda de maus genitores
Sejas, mas sim de excelentes, pois vê-se respeito em teus olhos
E gratidão, como se descendesses de reis julgadores.
Mas os presentes dos deuses, por mais que soframos à força,
Nós suportamos, humanos, pois tem-se o pescoço no jugo.
Mas como aqui tu chegaste, terás tudo quanto eu puder:
Cria meu filho, nascido tardio para além da esperança,
Este que os deuses mandaram, que é muito querido de mim.
Se tu puderes criá-lo até ter a medida de jovem,
Mui facilmente qualquer das femíneas mulheres, ao ver-te,
Te invejaria: são dádivas tais que em criá-lo terias."
Por sua vez, proferiu-lhe Deméter de bela coroa:
"Eu te saúdo, mulher! Que os divinos te deem benesses!
Receberei de bom grado o teu filho, conforme me ordenas.
Hei de criá-lo e jamais por descuido da sua babá
Há de um feitiço afligi-lo nem mesmo "o que ceifa por baixo",
Pois sei de antídoto muito mais forte que "o ceifa-madeira",
Sei de excelente resguardo a feitiço de múltiplas dores."
Tendo dessarte falado aceitou-o no peito oloroso
Com suas mãos imortais. Em seu íntimo alegra-se a mãe.
Dessa maneira passou a criar no palácio o brilhante
Filho do arguto Celeu, Demofonte, que de Metaneira
Bem-cinturada nascera. Cresceu como um par dos divinos:
Pão não comia, nem mesmo sugava do leite da mãe,
Visto que ao longo do dia Deméter de bela coroa
Com ambrosia o ungia, qual fosse rebento de um deus,
Tendo-o bem junto do peito e insuflando-o com sopro adoçado;
Mas pela noite encobria-o em chamas, qual fosse um tição,
Sem que seus pais o soubessem. Crescia-lhes como um prodígio,
Tanto precoce cresceu: parecia ser um dos divinos.
E com efeito o teria tornado imortal, sem velhice,
Caso, com insensatez, Metaneira de bela cintura,
Espionando de noite a partir de seu quarto oloroso,
Não os notasse. Mas ela gritou e espalmou suas coxas,
Apavorada por conta do filho e afligida em seu peito,
E lamentando-se então proferiu as palavras aladas:
"Meu Demofonte, a estrangeira com chamas ingentes te encobre
E me coloca em gemidos e preocupações lutuosas!"
Disse dessarte em lamento, e a divina entre as deusas a ouviu.
Colerizada com ela, Deméter de bela coroa,
Tendo tirado do fogo com mãos imortais o menino
Que ela gerara na casa já quando não tinha esperança,
Lança-o no chão, irritada no seu coração sobremodo,
E ao mesmo tempo maldiz Metaneira de bela cintura:
"Néscios humanos! Ineptos em reconhecer a medida
De quanto bem sobrevém para vós tanto quanto do mal!
Tu pela tua insciência causaste incurável ferida!
Saiba-se a jura dos deuses, pela água implacável do Estige,
Pois imortal e também sem velhice, por todos os dias,
Tua criança eu teria tornado, com honra indelével.
Ora não mais poderá se evadir do destino e da morte.
Honra indelével lhe irá persistir para sempre, contudo,
Por ter subido em meu colo e dormido amparado em meus braços.
Ao lhe chegarem as Horas e os anos findando seu curso,
Vede que os filhos de Elêusis com guerras e gritos terríveis
Vão engajar-se uns aos outros, constantes, por todos os dias.
Eu sou Deméter, quem honras detém, geratriz dos maiores
Júbilos para imortais e mortais e também benefícios.
Vamos agora! Que um templo bem grande e um altar logo abaixo
Os cidadãos sob a pólis e as altas muralhas me façam
Sobre o Calícoro, na cumeeira de um monte elevado.
Ritos secretos eu mesma vos ensinarei, que depois
Ao perfazê-los sem mácula ireis alegrar meu sentido."
Tendo assim dito, a deidade alterou sua forma e estatura,
Posta a velhice de lado. Ao redor exalava beleza:
Desde os vestidos fragrantes um amabilíssimo olor
Se dissipava; de longe luzia da derme imortal
Brilho da deusa; dourados cabelos cresciam-lhe aos ombros;
Com o clarão preencheu-se a morada robusta, qual raio.
Foi-se em seguida da casa. Já dela os joelhos vacilam:
Permaneceu muito tempo sem voz, nem sequer do menino
Tardinascido lembrou, de tomá-lo de volta do chão.
Suas irmãs todavia escutando-lhe a voz lamentável
Logo saltaram dos leitos cobertos: então uma delas
Tendo o tomado nas mãos o coloca de junto do peito;
Outra reacende a lareira; e a terceira, com pés delicados,
Logo se apressa em trazer sua mãe do aposento fragrante.
Aglomeradas em torno lavavam-no enquanto chorava,
Dando-lhe muito carinho, mas seu coração não calmava:
Eram piores as aias e as amas que agora o guardavam.
Elas então toda a noite aplacavam a deusa famosa,
Trêmulas pelo terror. No momento em que a Aurora surgiu,
Ao poderoso Celeu infalíveis palavras disseram,
Como mandara a deidade de bela coroa, Deméter.
Ele, depois de chamar para a ágora o povo abundante,
Manda que um templo opulento a Deméter de belos cabelos
Façam, também um altar sobre o cume de um monte elevado.
Eles de pronto escutaram e lhe obedeçaram aos ditos.
Como mandara, fizeram; e o filho cresceu como um nume.
Quando por fim terminaram e deram por feito o trabalho,
Foram-se ao lar, cada qual para o seu, mas a loura Deméter,
Lá se sentando apartada de todos os outros ditosos,
Inda minguava à saudade da filha de funda cintura.
O mais terrível dos anos na terra de farto sustento
Fez para os homens, um ano de cão. As sementes, a terra
Não germinava: ocultava-as a bem-coroada Deméter.
Muitos arados recurvos os bois arrastavam em vão.
Muita cevada brilhante no chão se jogou sem sucesso.
Ela teria arrasado a linhagem dos homens mortais
Pela estiagem terrível, privando das honras famosas
E sacrifícios aqueles que fazem morada no Olimpo,
Zeus não houvesse notado e no espírito então compreendido.
Íris primeiro aurialada enviou para que ela chamasse
A de adorável figura, Deméter de belos cabelos.
Disse. Ela ao mando de Zeus, do Cronida de nuvens escuras,
Obedeceu e cruzou o entremeio com rápidos pés.
Logo chegou à cidade eleusina, fragrante de incenso,
Onde no templo encontrou, com vestido soturno, Deméter,
E lhe falou, proferindo as seguintes palavras aladas:
"Zeus pai te chama, Deméter, o sábio em saberes perenes,
Para que vás à família dos deuses eternossurgentes.
Vai! E que não se descumpra a palavra de Zeus que lhe digo!"
Disse-lhe assim, suplicante, mas seu coração não consente.
Mais uma vez, o pai manda-lhe os deuses ditosos e eternos,
Todos, um deus atrás de outro. Partindo ordenados assim,
Eles chamavam-na e davam presentes venustos e vários
E honras também, tantas quantas pudesse querer entre eternos.
Mas ninguém pôde suadir as entranhas nem o pensamento
Dela iracunda no seu coração: rechaçava os discursos,
Pois prometera jamais ascender para o Olimpo fragrante
Nem enviar para cima, de dentro da terra, a colheita
Antes de ver com seus olhos a filha de belo semblante.
Zeus que ressoa profundo, o de vasta visão, quando o ouviu,
Fez com que o auricetrado argicida para o Érebo fosse:
Que ele falando de perto palavras suaves com Hades
Exconduzisse Perséfone augusta do breu nevoento
Rumo da luz junto aos deuses, a fim de que então sua mãe
Ao contemplá-la com seus próprios olhos cessasse o rancor.
Hermes não desacatou, mas de súbito ao fundo da terra
Ele partiu apressado, baixando do assento do Olimpo.
Logo encontrou o senhor da morada no seu interior,
Em um sofá, reclinado com a pudorosa consorte
Muito contrário à vontade, saudosa da mãe, que à distância
Planos terríveis pensava por atos dos deuses ditosos.
Pondo-se próximo dele, falou-lhe o potente Argicida:
"Hades de negros cabelos, reinante entre os já perecidos,
Zeus pai mandou-me guiar para fora Perséfone augusta
Do Érebo para com eles, a fim de que a mãe, vendo a moça
Com olhos próprios, refreie o rancor e sua cólera horrível
Contra os eternos, pois ela intenciona um ingente trabalho:
Arruinar a impotente família dos homens terrestres
Ao ocultar as sementes na terra, privando das honras
Os imortais. Ela tem um terrível rancor, nem aos deuses
Junta-se, mas no interior de seu templo fragrante, apartada,
Senta-se enquanto retém a cidade rochosa de Elêusis."
Disse dessarte. Sorriu-lhe Edoneu, que entre os ínferos reina,
Com os sobrolhos, mas não descumpriu o comando de Zeus rei,
Pois de imediato ordenou a Perséfone percipiente:
"Vai-te, Perséfone, para tua mãe de vestido soturno,
Tendo uma força gentil em teu peito e no teu coração,
Nem tenhas ódio excessivo demais do que aos outros por mim.
Não te serei um consorte de nada indevido entre eternos,
Visto que sou mesmo irmão de Zeus pai. Quando aqui te encontrares,
Tu serás mestre de todos, de quantos viverem e andarem,
E honras ainda terás entre eternos, maiores que todas.
Dentre os injustos, terá pagamento por todos os dias
Quem não fizer sacrifícios a fim de agradar teu poder,
Feitos sem mácula, todos cumpridos com dons adequados."
Disse dessarte. Sorriu-lhe Perséfone muito prudente
Rapidamente se ergueu de alegria, mas ele, contudo,
Doces sementes lhe deu de romã, que comesse, em segredo,
Sendo cuidoso que não demorasse por todos os dias
Junto de novo a Deméter augusta de peplo soturno.
Os seus cavalos à frente do carro dourado no jugo
Pôs, imortais, Edoneu que exercita o comando de muitos.
Ela subiu para o carro e a seu lado o potente Argicida,
Tendo tomado nas mãos tanto as rédeas quanto o chicote,
Foi-se através do palácio e partiu: seus cavalos voaram.
Atravessaram velozes estradas compridas. Nem mar
Nem mesmo as águas dos rios nem os vales gramados dos montes
Nem as montanhas puderam deter seus cavalos eternos,
Que sobre todos singraram os ares profundos, correndo.
Fê-los parar onde estava Deméter de bela coroa,
Logo de frente do templo fragrante. Quando ela a notou,
Foi-se correndo qual mênade ao longo de um monte silvoso.
Já por seu turno, Perséfone, ao ver os belíssimos olhos
De sua mãe, afastou-se de carro e cavalos num salto
Para alcançá-la e lançou-se-lhe em torno ao pescoço, abraçando-a.
Mas, ao reter sua filha querida no entorno das mãos,
Seu coração desconfia de um dolo e recua em terror.
Logo, cessando o carinho, em discurso lhe fez a pergunta:
"Filha, encontrado-se ao fundo da terra tu não me comeste
De um alimento? Relata e não guardes: que as duas saibamos,
Para que, vinda da tua estadia com Hades horrível,
Possas viver junto a mim e ao Cronida de nuvens escuras,
Tendo honrarias também entre todos os outros eternos.
Mas, se comeste, de novo voltando ao profundo da terra,
Tu morarás por um terço das Horas a cada um dos anos,
E as outras duas ao lado de mim e dos outros eternos.
Mas, quando a terra com flores fragrantes e primaveris
De toda sorte florir, novamente do breu nevoento
Tu voltarás, grande espanto aos divinos e aos homens mortais.
Mas dize como levou para baixo do breu nevoento
E com que dolo raptou-te o potente que tudo retém."
Disse-lhe então em resposta Perséfone muito venusta:
"Eu para ti, minha mãe, vou dizer por completo a verdade.
Quando a mim Hermes chegou, mensageiro veloz que traz sorte,
Para, à presença do Crônida pai e dos outros celestes,
Do Érebo me retirar, que me vendo com teus próprios olhos
Apaziguasses rancor aos eternos e cólera horrível,
Eu, de imediato, saltei de alegria. Mas ele, em segredo,
Doces sementes me deu de romã com que me alimentasse,
E a contragosto por meio de força forçou-me a comê-las.
Como levou-me por sólida astúcia do filho de Cronos,
Meu próprio pai, carregando-me para o profundo da terra,
Eu contarei e direi sobre tudo conforme me pedes.
Todas de fato brincávamos sobre um gramado amorável:
Fano e Leucipo assim como Electra e também Ianté,
Junto a Melite e Iaqué, com Rodeia e Caliroé,
Com Melobósis e Tíque e com Ociroé rosto-em-flor,
E com Criseida, Ianeira, Acaste, e também Admete,
E Rodopé e Plutó e também a amorável Calipso,
E com Estige e Urânia e com Galaxaure adorável,
Junto de Palas guerreira e com Ártemis atiradora,
Todas brincávamos de colher flores amáveis nas mãos,
Entre o açafrão delicado e entre a íris, jacinto também,
Bem como brotos de rosas e lírios, espanto de ver,
E de narciso, que a terra gerava semelho a açafrão.
Tudo eu colhia feliz, mas a terra, por baixo, se abriu:
Dela saltou o senhor poderoso que tudo retém,
Que me levou para baixo da terra em seu carro dourado,
Muito contrário à vontade. Na voz, eu gritei estridores.
Essa, por mais que me doa, te digo ser toda a verdade."
Elas, concordes em ânimo, então, pelo resto do dia,
Muito no seu coração e em seu ânimo se acalentaram
Com calorosos abraços, cessando-se a dor em seu ânimo.
Muita alegria uma a outra ofertava e também recebia.
Aproximou-se-lhes Hécate do diadema esplendente.
Muito abraçou a menina sagrada nascida a Deméter.
Desde esse tempo a senhora lhe foi atendente e ministra.
Zeus de amplo olhar, que ressoa profundo, enviou-lhes de núncio
Reia de belos cabelos, a fim de que à grei dos divinos
Ela levasse Deméter de escuro vestido. Honrarias
Lhe prometeu, quais pudesse querer entre os deuses eternos,
E concordou que sua filha demore, por cada um dos anos,
Uma das tríplices partes abaixo do breu nevoento
E as outras duas ao lado da mãe e dos outros eternos.
Disse e a deidade não desacatou as mensagens de Zeus.
Rapidamente, lançou-se voando dos picos do Olimpo.
Logo chegou até Rário, nutriz, a mais rica das terras
Antes, porém nesse tempo não era nutriz, mas inerte,
Toda sem folhas. A branca cevada encontrava-se oculta:
Plano que foi de Deméter de esguios tornozelos. Contudo,
Logo se iria cobrir com espigas compridas de milhos,
Ao florescer da estação, e os opíparos sulcos da terra
Logo estariam repletos de grãos e de feixes de espigas.
Lá sobreveio primeiro partindo do éter infértil.
Mutuamente se viram, contentes, com ânimo alegre.
Reia com seu diadema esplendente lhe disse o seguinte:
"Vamos, filhinha, que Zeus de amplo olhar, que ressoa profundo,
Chama-te junto da grei dos divinos. Também honrarias
Lhe prometeu, quais puderes querer entre os deuses eternos
E concordou que tua filha demore, por cada um dos anos,
Uma das tríplices partes abaixo do breu nevoento
E as outras duas ao lado da mãe e dos outros eternos.
Disse cumprir-se dessarte e assentiu com a sua cabeça.
Vem, minha filha! Obedece o que digo! De modo excessivo,
Não te enfureças mais com o Cronida de nuvens escuras.
Faz com que cresçam os frutos nutrizes de pronto aos humanos."
Disse, e Deméter de bela coroa não desobedece.
Logo ela fez despontarem os frutos nos férteis terrenos.
Toda com folhas e flores também a vastíssima terra
Se carregou. Em seguida, indo aos reis que ministram as leis,
Ela mostrou a Triptólemo e para Diócles ginete
E para a força de Eumolpo e a Celeu, comandante de povos,
A liturgia dos ritos e a todos também os mistérios.
Mas, para força de Eumolpo e a Celeu e também a Diócles,
Deu ritos sacros, que não se transgridem nem mesmo se aprendem,
Nem se proferem, pois grande respeito aos divinos os cala.
Próspero é aquele que os viu entre os homens que vivem na terra;
Mas incompleto quem não participa dos ritos, nem nunca
Tem bom destino morrendo, debaixo do breu nevoento.
Logo depois, quando tudo perfez a divina entre os deusas,
Foi-se a caminho do Olimpo ao encontro dos outros divinos,
Onde demoram do lado de Zeus que se apraz com trovões,
E junto à augusta e sagrada. Muitíssimo próspero é quem
Eles solícitos amam, dos homens que vivem na terra.
Logo lhe enviam ao fogo do lar no seu grande palácio
Pluto, que ao homens mortais oferece abundância e riqueza.
Mas vamos lá, portadora da terra fragrante eleusina,
Paros marinha e a rochosa cidade de Antrona também,
Dona que cedes a luz, que conduz as sazões, Deo rainha,
Tu e também tua filha Perséfone, muito venusta,
Pela canção, meu sustento agradável, solícitas, manda!
Ora de ti eu irei me lembrar e de uma outra canção!

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