Hino Homérico 5, a Afrodite (trad.: C. Leonardo B. Antunes)
Musa, reconta-me os feitos da pluridourada Afrodite,
Cípris, aquela que incita nos deuses o doce desejo
E tem domínio nas tribos dos homens de todo mortais
E sobre as aves aladas e todos os tipos de feras,
Tanto as que vivem na terra bem como as nutridas no mar:
Todas se ocupam dos feitos da bem laureada Citéria.
Três corações todavia ela nunca consegue dobrar:
O da donzela de Zeus porta-égide, Atena glaucópida,
Pois não se apraz com os feitos da pluridourada Afrodite,
Mas se deleita com guerras e com os trabalhos de Ares –
Lutas, batalhas e a manufatura de artigos brilhantes.
Ela primeiro ensinou para os homens terrestres feitores
Como montar carruagens e carros com bronze, variados.
Dentro de casa também às donzelas de pele macia
Ela em trabalhos brilhantes instrui cada uma das mentes.
Ártemis de áureos projéteis, de graves barulhos, tampouco
Pode Afrodite amadora do riso domar na paixão,
Pois é com o arco e a matança de feras que tem seu agrado
E com a lira, com coros, com gritos que soam pungentes,
Com sombreadas florestas e pólis de justos varões.
Nem para a augusta donzela compraz o lavor de Afrodite,
Héstia, que Crono de curvo pensar engendrou por primeiro,
Sendo a mais nova também por vontade do egífero Zeus,
Dama que foi cortejada por ambos Possêidon e Apolo,
Mas ela nada queria e de fato o negou firmemente.
Ela jurou grande jura, que está com efeito cumprida,
Com sua mão na cabeça do pai, do egífero Zeus,
De para todos os dias ser virgem, divina entre as deusas.
Deu-lhe Zeus pai em lugar de casar-se uma honra elevada:
Ter seu assento no centro da casa e a mais farta porção.
Ela tem parte nas honras em todos os templos dos deuses
E entre os mortais, entre todos, é a mais veneranda das deusas.
Delas não pode jamais convencer o intelecto ou lograr,
Mas dos demais não há nada que tenha escapado a Afrodite
Nem dentre os deuses ditosos e nem dentre os homens mortais.
Dobra-se mesmo o sentido de Zeus que se apraz com o raio,
Ele, o maior dentre os deuses e dono das máximas honras,
Tem, se ela o quer, o seu firme intelecto de todo enganado
Mui facilmente, fazendo-o juntar-se a mulheres mortais,
Sem que disso Hera se faça ciente, sua esposa e irmã,
Dona da forma mais bela entre todas as deusas eternas,
Mais celebrada, que Crono de curvo pensar engendrou
Com Reia mãe. Então Zeus, cujo alvitre jamais se corrompe,
Fê-la de esposa de muito respeito, cuidosa e sabida.
Noutra porém Zeus lançou no seu íntimo o doce desejo
De se juntar com um homem mortal, de maneira que logo
Nem ela própria estivesse segura do leito mortal,
Para que um dia exultasse e dissesse entre todos os deuses,
Rindo com muita doçura, Afrodite que adora risadas,
Como se unira aos divinos no amor de mulheres mortais,
Elas que geram rebentos mortais para os deuses eternos,
E como unira as deidades com homens de todo mortais.
Por certo Anquises lançou no seu íntimo o doce desejo,
Ele que então sobre os montes de múltiplas fontes do Ida
Pastoreava seu gado, semelho aos divinos na forma.
Quando em seguida o avistou Afrodite amadora do riso,
Apaixonou-se e um desejo violento em seu íntimo a teve.
Foi para Chipre em seguida, baixando ao seu templo fragrante,
Onde há seu têmeno em Pafos e altares fragrantes.
Lá trespassou pelas portas brilhantes e então se postou
Lá onde as Graças lavaram-na e ungiram-na em óleo de oliva,
Óleo ambrosino, qual cresce nos deuses que sempre são vivos,
Doce ambrosíaco, que junto a si lhe surgia oloroso.
Tendo então todas as vestes bonitas na pele vestido
E ornamentado-se em ouro, Afrodite amadora do riso
Foi para Troia partindo de Chipre de belos perfumes,
Alto, no meio das nuvens, veloz, perfazendo o caminho.
Quando no Ida de múltiplas fontes chegou, mãe de feras,
Foi-se direto ao casebre por entre as montanhas. Com ela
Lobos cinzentos fazendo-lhe graça e ferozes leões,
Ursos bem como leopardos velozes, famintos por cervos,
Iam e ao vê-los sentia prazer em seu ânimo e mente.
Pôs-lhes desejo em seus peitos e síncronos todos então
Foram-se em pares deitar na extensão de ribeiras sombrias.
Ela à cabana de bela feitura, em seguida, chegou.
Lá no casebre o encontrou solitário, apartado dos outros,
A ele que tem a beleza dos deuses, Anquises, o herói.
Bois pelo pasto repleto de grama os demais conduziam,
Todos, enquanto ele estava apartado na casa, sozinho,
Indo de um lado para o outro e tocando sua cítara aguda.
Ela se pôs diante dele, Afrodite nascida de Zeus,
A uma donzela virgínea na forma e no porte semelha,
Para que não o assustasse quando ele a notasse na vista.
Quando ele, Anquises, a viu, contemplou-a e se maravilhou
Com sua forma, seu porte e as vestes brilhantes que tinha,
Pois o seu peplo era mais radiante que o fúlgido fogo,
Belo, dourado, de múltiplas cores e assim como a lua
Sobre os seus seios macios brilhava, espantoso de ver.
Tinha ainda broches torcidos e brincos quais flores brilhantes.
Junto a seu tenro pescoço um colar todo belo lhe havia.
Sendo tomado por Eros, Anquises lhe disse o seguinte:
"Salve, senhora! Quem dentre as ditosas me chega a esta casa,
Ártemis, Leto talvez ou quem sabe a dourada Afrodite,
Têmis de bom nascimento ou ainda a glaucópida Atena,
Ou és alguma das Graças chegada até aqui, que aos divinos
Todos mantêm companhia e são denominadas eternas,
Ou és alguma das Ninfas que as belas florestas frequentam,
Ou uma Ninfa daquelas que habitam as belas montanhas,
Bem como as fontes dos rios e as campinas cobertas de grama.
Eu te farei um altar na montanha em mirante perspícuo,
Onde te completarei sacrifícios de bela feitura
Pelo ano inteiro. Já tu, tendo um ânimo benevolente,
Dá-me ser entre os troianos um homem de grande renome,
Faze que eu tenha uma prole robusta e permite que eu próprio
Viva feliz, muitos anos, e veja a clareza do sol,
Próspero em meio aos do povo chegando aos umbrais da velhice."
Disse-lhe então em resposta a nascida de Zeus, Afrodite:
Mais glorioso entre os homens nascidos na terra, ó Anquises,
"Não sou divina (por que me comparas aos deuses eternos?),
Mas sou mortal: fui gerada por uma mulher como mãe.
Tenho em Otreu o meu pai renomado – se acaso o ouviste –,
Que em toda Frígia de belas muralhas pratica o seu mando.
Tua linguagem, assim como a minha, de fato eu bem sei,
Visto que em casa uma ama troiana criou-me, a qual desde
Que era menina nutriu-me, de junto à mãe cara me tendo.
Logo a linguagem que é vossa eu de fato também a conheço.
Mas no presente tomou-me o Argicida de vara dourada
Fora da dança de Ártemis de áureos projéteis, terríssona.
Muitas brincávamos, virgens, donzelas de ricos cortejos,
Quando ao redor uma turba infinita cingia-nos todas.
Lá que ele me arrebatou, o Argicida de vara dourada,
E me levou pelos campos diversos dos homens mortais
E por terrenos diversos, sem obras nem dono, onde feras
Andam, carnívoras, pela extensão de ribeiras sombrias.
Já não pensava pôr pés novamente na terra fecunda.
Disse que junto do leito de Anquises iria chamar-me
Lícita esposa e que iria gerar-te uma prole brilhante.
Quando me havia mostrado e apontado essas coisas, de novo
Foi-se às famílias dos deuses eternos o forte Argicida.
Vim em seguida até ti, pois é forte a pressão que me guia.
Logo te peço por Zeus e também pelos teus genitores
Nobres (pois vis não iriam gerar um rebento semelho):
Inda intocada me leva e sem ter experiência no amor
Para mostrar-me a teu pai e à tua mãe consciente de zelos
E aos teus irmãos que tiveram origem idêntica à tua.
Não lhe serei uma nora indevida, mas sim bem devida.
Manda um arauto veloz para os Frígios de rápidos potros
Para avisar a meu pai e também para a mãe conturbada.
Eles te irão enviar ouro aos montes e vestes cerzidas,
Dotes esplêndidos, vários, que deves enfim aceitar.
Tendo isso feito, prepara o adorável banquete de núpcias,
Tal como é honrado entre os homens e em meio aos divinos eternos."
Disse-lhe a deusa e dispôs em seu peito o desejo adorável.
Eros dispunha de Anquises, que disse o seguinte ao chamá-la:
"Se és realmente mortal, se mulher te gerou como mãe,
E se teu pai renomado é Otreu, como tu arengueias,
E se vieste até aqui por vontade do guia imortal,
De Hermes, se te hás de chamar minha esposa por todos os dias,
Nenhum dos deuses, então, nem nenhum dos humanos mortais
Há de deter-me, não antes que eu me una contigo em amor,
Súbito e agora, nem mesmo se o longiflecheiro – se Apolo –
Do arco de prata viesse a lançar afligentes projéteis.
Eu de bom grado em seguida, mulher semelhante às deidades,
Tendo subido ao teu leito, ao palácio de Hades iria."
Disse e tomou sua mão. Afrodite amadora do riso
Foi-se de rosto virado e baixando os seus olhos bonitos
Para uma cama de belos lençóis, que já estava coberta
Com cobertores macios para o lorde. Em seguida, dispôs-lhe
Peles de urso e também de leões de profundos rugidos,
Que ele e não outro matara nos montes de cume elevado.
Quando, em seguida, subiram no leito de bela feitura,
Ele primeiro tirou-lhe da pele os ornatos brilhantes –
Broches torcidos, os brincos quais flores, bem como o colar.
Desfivelou-lhe o seu cinto e soltou suas vestes lustrosas,
Pondo-as depois sobre um trono cravado com pinos de prata.
Logo depois, por vontade e decreto dos deuses, Anquises
Foi se deitar com a deusa imortal, um mortal, sem saber.
Quando de novo os pastores chegaram de volta à cabana
Vindos dos campos floridos com bois e com fartas ovelhas,
Ela tratou de verter sobre Anquises um sono gentil,
Doce, e cobriu sua pele ela própria com vestes bonitas.
Já bem vestida ao redor de sua pele a divina entre as deusas
Pôs-se de pé na cabana (alcançava o telhado bem-feito
Com a cabeça; das suas bochechas ambrosina beleza
Lhe reluzia, qual própria da bem coroada Citéria)
E despertou-o do sono com essas palavras, chamando-o:
"Vamos, Dardânida! Qual a razão de dormires ainda?
Logo levanta e me dize se acaso pareço-te a mesma
Tal como quando em primeiro nos olhos tu me apercebeste."
Disse. Do sono ele rapidamente espertou ao ouvi-la,
Mas quando viu de Afrodite o pescoço e os seus olhos bonitos,
Teve temor e baixando os seus olhos olhou para longe,
Sob o seu manto em seguida escondendo-lhe o rosto bonito,
E suplicando falou-lhe as seguintes palavras aladas:
"Deusa, já logo de início, tão logo te vi com meus olhos,
Soube que tu eras um deus, mas disseste-me errado que não.
Peço-te súplice em nome de Zeus que sustém o escudo:
Não me permitas viver debilmente entre os homens mortais,
Mas tem-me pena, porque não se torna saudável um homem
Nunca depois de deitar-se com uma deusas eternas."
Disse-lhe então em resposta a nascida de Zeus, Afrodite:
Mais glorioso entre os homens de todo mortais, ó Anquises,
Sê corajoso e no teu coração em excesso não temas:
Tu não precisas temer nenhum mal, de verdade, de mim,
Nem de nenhum dos demais imortais, pois és caro aos divinos.
Há de nascer-te um rebento querido, senhor dos troianos,
E dos seus filhos os filhos também seguirão como reis.
Há de chamar-se, por nome, de Eneias, pois dói-me funesta
Dor de eu haver com um homem mortal me deitado no leito.
Próximo aos deuses ao máximo dentre os humanos mortais
Sempre será o teu clã na estatura bem como na forma.
Zeus sabedor, com efeito, levou Ganimedes, o louro,
Graças à sua beleza, para entre os eternos viver
E para ao longo da casa de Zeus pôr o vinho nas taças –
Fato espantoso de ver –, onde todos o honram, eternos,
Quando à cratera dourada ele extrai o nectáreo rubor.
Mas para Tros uma dor sem recesso tomava-lhe a mente,
Pois não sabia para onde a borrasca levara seu filho.
Logo o chorava continuamente por todos os dias.
Dele então Zeus teve pena e lhe deu como paga do filho
Ágeis cavalos, daqueles que levam no dorso os eternos.
Deu-lhe qual dom, para que ele os tivesse e por ordem de Zeus
Disse-lhe então cada uma das coisas o guia Argicida:
Como seu filho seria imortal como os deuses, acrônico.
Ele, depois que escutou as mensagens da parte de Zeus,
Não mais chorou: alegrou-se no íntimo de sua mente
E cavalgava contente os cavalos de pés de borrasca.
Títono assim também foi pela Aurora auritrônea levado,
Ele que te era parente, na forma semelho aos eternos.
Ela se foi suplicante ao Cronida de nuvens escuras,
Para pedi-lo imortal e vivente por todos os dias.
Zeus lhe assentiu com o cenho e de fato cumpriu o desejo.
Tola! Na mente, a senhora Aurora não considerou
A juventude pedir-lhe e afastar a velhice aflitiva.
Quanto durou a de muitos amores, a sua juventude,
Ele, agradando a auritrônea Aurora, nascida à manhã,
Pôde viver junto ao rio Oceano nos termos da terra.
Mas em seguida ao primeiro fluir de cabelos cinzentos
De sua bela cabeça e do queixo de bom nascimento,
Já lhe evitava o seu leito de fato a senhora Aurora,
Inda contudo o cuidava e mantinha na sua morada,
Dando-lhe pão, ambrosia e enfim roupas bonitas também.
Mas, quando então lhe pesou sobremodo a velhice odiosa
E não podia mover mais os membros nem os levantar,
Isso no peito se lhe aparentou o melhor dos conselhos:
Depositou-o no tálamo e portas brilhantes dispôs.
Flui-lhe de fato uma voz inaudível de lá, nem tem força
Mais, da maneira que outrora ele tinha em seus membros maleáveis.
Eu não te iria levar, todavia, para entre os eternos,
Para que fosses eterno e vivesses por todos os dias.
Mas, se pudesses com essa aparência e esse porte que tens
Permanecer e também 'meu esposo' ser denominado,
Meu coração cauteloso não se encobriria de dor.
Eis, todavia, que logo a velhice te irá encobrir,
Sem piedade, que a todos os homens se põe logo ao lado,
Hórrida, plena de fainas, odiada até mesmo dos deuses.
Mas para mim será grande a censura entre os deuses eternos,
Continuamente, por todos os dias, por causa de ti
(Eles que outrora com minhas astúcias e manhas eu antes
Todos, eternos, uni a mulheres de todo mortais).
Tinham-me medo, pois todos domava com meu pensamento.
Ora, porém, minha boca não mais há de ter tal poder
Entre os eternos, pois minha loucura foi grande demais,
Mísera e lúgubre, pondo-me a mente distante da rota:
Sob o vestido há-me um filho por ter com mortal me deitado.
Ele, tão logo avistar por primeiro a clareza do sol,
Vai ser cuidado por ninfas montesas de seios profundos,
Elas que nesta montanha demoram, ingente e sagrada,
Elas que não acompanham mortais nem os deuses eternos.
Longo é o tempo que vivem, comendo comida ambrosina
E entre os eternos num coro bonito dançando com graça.
Tanto o Argicida de olhar incisivo bem como os Silenos
Unem-se a elas no fundo de grutas amáveis no amor.
Quando elas surgem já nascem pinheiros ou mesmo carvalhos
De altas folhagens por cima da terra nutriz dos heróis,
Belos, viçantes, nos montes de cumes que ao alto se elevam
Põem-se de pé, altaneiros, terreno sagrado lhes chamam
Dos imortais. Nenhum homem mortal os apara com ferro,
Mas, quando a moira da morte por fim se coloca ao seu lado,
Secam primeiro por cima da terra essas árvores belas.
Logo suas cascas no entorno decaem, seus galhos lhes tombam,
E é quando as almas das ninfas se apartam do brilho do sol.
Elas de junto de si vão nutrir e cuidar do meu filho.
Logo que ele à juventude de muitos amores chegar,
Vão conduzi-lo até aqui as divinas e a ti vão mostrá-lo.
Para contar-te essas coisas que tenho na mente, elas todas,
Ao quinto ano virei novamente trazendo o meu filho.
Já no primeiro momento que vires o herdeiro em teus olhos,
Vais alegrar-te de vê-lo – será sobremodo deiforme –
E o levarás prontamente em seguida até Ílion ventosa.
Caso haja alguém dentre os homens mortais que te venha inquirir
Quem foi a mãe que gerou sob o peplo o teu filho querido,
Deves dizer o seguinte, lembrado, conforme te mando:
Diz que uma ninfa de rosto de flor o gerou, seu rebento,
Elas habitam aqui neste monte coberto por mata.
Mas, se disseres e assim te gabares com mente insensata
De ter te unido em amor com a bem laureada Citéria,
Zeus vai lançar-te, irritado contigo, um relâmpago fúmeo.
Disse-te tudo de fato. Pondera com ânimo são
E não profiras meu nome, temente da fúria dos deuses.
Tendo assim dito, partiu como a luz para o céu ventaneante.
Salve, deidade, que Chipre bem feita manténs, guardiã,
E começando contigo uma nova canção cantarei!
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