Hino Homérico 4, a Hermes (C. Leonardo B. Antunes)
Hermes hineia-me, Musa, nascido de Maia e de Zeus,
Lorde da Arcádia de fértil rebanho e também de Cilene,
Núncio auspicioso dos deuses eternos, gerado por Maia,
Ninfa de belos cabelos, unida com Zeus em amor,
Tímida, que se guardava ao convívio dos deuses ditosos
Numa sombria caverna, na qual o Cronida com ela,
Ninfa de belos cabelos, se unia no seio da noite
Quando algum sono adoçado sustinha a de pálidos braços,
Hera. Nem deuses eternos nem homens mortais o notavam.
Quando o sentido de Zeus grandioso, contudo, cumpriu-se
E junto dela firmava-se o décimo mês já no céu,
Ela por fim deu à luz e um evento notável se fez:
Dela nasceu um menino de muitos caminhos, astuto,
Ladro, que os bois pastoreia, que serve de guia dos sonhos,
Um sentinela da noite, que espreita na porta e que logo
Veio a mostrar afamadas ações entre os deuses eternos.
Nato na aurora, no meio do dia tocava na lira,
E mais à tarde roubou os bovinos de Apolo flecheiro
Ao quarto dia do mês, quando Maia senhora o gerou,
Ele que, assim que dos membros maternos, eternos, saltou,
Não se deitou muito tempo esperando em seu berço sagrado,
Mas levantou-se num salto e buscava os bovinos de Apolo.
Quando ele assim trespassou os limites da gruta elevada,
Lá um jabuti encontrando apossou-se de imenso deleite:
Hermes primeiro que todos tornou o jabuti um aedo;
Ele o encontrou ao sair através das cortinas da gruta,
Onde pastava, defronte à morada, da grama virente,
Indo com passo arrastado. De Zeus o auspicioso rebento
Vendo-o dessarte se riu e de pronto falou o seguinte:
"Eis-me um sinal benfazejo já cedo, do qual não desdenho.
Salve, de forma amorável, coreuta, parceiro em banquete!
Sê tu bem-vindo ao chegar! Onde achaste esse belo ornamento –
Casco brilhante – que tomas por veste, montês jabuti?
Vou te levar para dentro. Trarás benefício pra mim.
Eu não irei desonrar-te, mas antes me vais dar proveito.
Dentro de casa é melhor; no exterior é possível ferir-se.
És, contra males diversos, um bom amuleto em defesa,
Vivo, mas morto farás a canção dentre todas mais bela."
Disse dessarte e, com ambas as mãos tendo o erguido, em seguida
Foi para dentro de casa, levando o brinquedo adorável.
Lá esquartejou os seus membros com faca de ferro cinzento
E dos seus ossos tirou-lhe a medula ao montês jabuti.
Símil a quando um veloz pensamento desponta do peito
Do homem que está frequentado por preocupações volumosas,
Ou quando então se produz a faísca do olhar cintilante,
Verbo e ação planejava conjuntos o célebre Hermes.
Ele fixou, aparados no metro, alguns caules de junco
E os amarrou sobre o dorso e no invólucro do jabuti.
Couro de boi em seguida envolveu ao redor com mestria
Pôs inda chifres e um jugo acoplou sobre os dois na sequência.
Séptuplas cordas de tripa de ovelha por fim lhe esticou,
E eis que em seguida, levando o brinquedo adorável consigo
Com a palheta o testava segundo a medida. Nas mãos,
Soa terrível e o deus a acompanha com belo cantar,
Improvisando suas belas canções, como quando rapazes
Jovens nas festas entoam escárnios de duplo sentido.
Ele cantou de Zeus Crônida e Maia de belas sandálias,
De como os dois convergiam-se então em conúbio amoroso,
Anunciando por nome o renome de seu nascimento.
As atendentes e a esplêndida casa da noiva ele honrou,
Bem como as trípodes pela morada e as diversas caldeiras.
Mas, ao cantar uma coisa, outra coisa anelava na mente.
E carregando-a ele então a depôs no seu berço sagrado,
A sua côncava lira. Depois, desejoso de carne,
Ele saltou da morada olorosa e alcançou um mirante,
Já revolvendo alto dolo na mente, do tipo que os homens
Ladros costumam fazer pelas horas escuras da noite.
Hélios baixara debaixo da terra, rumando a Oceano,
Com seus cavalos e com o seu carro no tempo em que Hermes
Foi para os montes Piérios, cobertos de sombras, correndo,
Lá onde os bois imortais dos divinos ditosos moravam,
Sempre pastando de prados ainda intocados, amáveis.
Desses o filho de Maia, de boa visão, Argicida,
Cinco dezenas de bois recortou da manada, mugentes,
E os conduziu por atalhos ao longo de uma área arenosa
Num ziguezague de rastros, pois não se esqueceu da arte escusa:
Ele virou os seus cascos, dispondo os da frente detrás,
Pondo os detrás para frente, e ele próprio marchava ao contrário.
Fez em seguida sandálias trançadas, na areia marinha,
Nunca pensadas, jamais concebidas, lavor espantoso,
Entrelaçando raminhos de mirto com de tamarisco.
Desses, então amarrou um punhado de lenho bem jovem,
Seguramente, debaixo dos pés, como leves sandálias,
Inda trazendo suas folhas, as quais o notório Argicida
Trouxe a partir da Piéria em preparo para uma viagem,
Todo apressado, tal qual quem se apressa por longo caminho.
Um ancião que cuidava de vinhas floridas notou-o
Indo através das planícies cobertas de grama de Onquesto.
A ele, primeiro, falou o afamado rebento de Maia:
"Velho, que em meio das plantas escavas com ombros curvados,
Hás de ter vinho copioso decerto ao florirem-te todas
Se obedeceres a mim e lembrares deveras na mente
De não ter visto o que viste, não ter escutado o que ouviste
E de calar quando nada que é teu receber algum dano."
Disse e, depois, incitou as potentes cabeças de gado.
Por muitos montes umbrosos, por vales com ecos terríveis
E por planícies floridas levou-os o célebre Hermes.
Negra aliada, já quase findara a deífica noite,
A alva, que incita as pessoas à lida, veloz já surgia
E para um novo mirante subira a divina Selene,
Filha de Palas, nascido ele próprio ao senhor Megamedes,
Quando o potente rebento de Zeus para o rio, para o Alfeu,
De Febo Apolo levou os bovinos de largo semblante.
Sem ter fadiga chegaram no estábulo de alto telhado
E aos bebedouros defronte dos campos de clara nobreza.
Logo, depois de nutrir bem com pasto os bovinos mugentes
E os conduzir juntamente ao estábulo em grupos compactos
Que se proviam de lótus ou de uma orvalhosa galanga,
Ele ajuntou muitos freixos, buscando a perícia do fogo,
E descascou um esplêndido galho de oliva com ferro
...
Firme na palma da mão, e a fumaça subiu calorosa.
Hermes, de fato, inventou por primeiro os palitos e o fogo.
Muitos gravetos enxutos dispôs num buraco em seguida,
Grossos e bem abundantes. Então lampejou uma chama
E para longe expandiu-se a explosão da fogueira candente.
Alumiava-se o fogo na força do ínclito Hefesto,
Quando arrastou duas vacas mugentes, chifrudas, pra dentro
Próximo ao fogo, pois grande era a força que o acompanhava.
Ambas lançou sobre os dorsos no solo, as duas arfantes,
E as revolvendo de lado, furou-lhes a força vital.
Feito a outro feito seguiu, retalhando as opíparas carnes,
Que cozinhava, depois de as haver trespassado em espetos,
Carnes, o dorso honorável e o ventre de sangue anegrado,
Todos conjuntos. Dispôs em seguida o restante no chão
E numa pedra encrespada ele então distendeu suas peles
Como ainda agora, passadas inúmeras eras, se encontram,
Muito depois desse tempo, constantes. Então, em seguida,
Hermes de ânimo alegre arrastou as opíparas postas
Para uma pedra aplainada e dispô-las em doze pedaços,
Pela fortuna medidos, mas fez cada prêmio perfeito.
Nisso anelou essas carnes sagradas o célebre Hermes,
Pois o seu cheiro, apesar de ele ser imortal, o oprimia,
Doce, mas seu coração resoluto não foi persuadido,
Mesmo que muito o quisesse, a engolir a oferenda votiva.
Pelo contrário, guardou na choupana de teto elevado
Todas as carnes e a banha, suspensas no ar, penduradas,
Ícone ao roubo do jovem. Depois, ajuntou galhos secos
E destruiu as cabeças e os cascos num sopro de fogo.
Quando, por fim, completou tudo como é devido o divino,
Suas sandálias lançou para o Alfeu de profundas correntes
E sufocou o braseiro e cobriu com areia a fuligem
Por toda a noite – brilhava o venusto fulgor de Selene.
Logo em seguida voltou para os picos sacrais de Cilene
Junto da aurora. No longo caminho não foi encontrado
Nem pelos deuses ditosos nem pelos humanos mortais,
Nem os cachorros latiram. De Zeus o auspicioso rebento,
Hermes, passou de viés pelo fecho da porta da sala
Como uma brisa outonal, semelhante ao feitio de uma névoa.
Foi-se direto ao interior da caverna, no opíparo quarto,
Onde chegou caminhando de leve, mal toca no solo.
Foi-se em seguida ao seu berço num ímpeto o célebre Hermes,
Pondo os paninhos em volta dos ombros, semelho a um infante
Frágil e então se deitou ocupado em brincar com um pano
Junto aos joelhos, mantendo na sestra o seu casco amorável.
Não se furtou todavia da mãe divinal que lhe disse:
"Ora! Mas de onde, matreiro inventivo, nas horas da noite
Vieste, vestido sem pejo? Acredito que agora de fato,
Rapidamente, com elos sem fuga ao redor das costelas,
Vai te levar para fora de casa o rebento de Leto
Ou levarás uma vida de ladro no meio dos vales.
Vai-te! Teu pai te engendrou para ser um enorme problema
Para os humanos mortais e também para os deuses eternos."
Hermes lhe disse em resposta as seguintes palavras sagazes:
"Mãe, por que tentas assim assustar-me, semelho a um infante
Frágil, que poucas vilezas, bem poucas, na mente conhece,
Pávido, sempre encolhido de medo às censuras da mãe?
Eu tentarei, todavia, algum plano, o melhor que existir,
A apascentar tanto a mim quanto a ti para sempre. Distante
Das divindades eternas, sem ter oferendas e preces,
Não ficaremos contentes aqui, como tu me comandas.
É bem melhor conviver entre eternos por todos os dias,
Rico, abastado, provido de grãos, do que estar nesta casa,
Nesta caverna sombria sentado. A respeito das honras,
Eu também vou adentrar nas sagradas, nas honras de Apolo.
Caso meu pai não me dê, vou eu próprio decerto fazê-lo,
E tentarei – pois eu posso – tornar-me o senhor dos ladinos.
Caso o afamado rebento de Leto procure encontrar-me,
Creio que irá deparar-se com mais uma perda, maior,
Pois eu irei para Pito, invadir sua grande morada,
Donde diversas tripeças belíssimas e caldeirões
Eu roubarei, junto de ouro, muitíssimo ferro brilhante
E vestimentas variadas. Verás se estiveres disposta."
Com tais palavras os dois um ao outro portanto falavam,
O que de Zeus porta-égide é filho e Maia, a senhora.
A Alva, nascida do albor, carregando aos mortais claridade,
Já despontava do fundo Oceano no tempo em que Apolo,
Vindo, chegou em Onquesto, no bosque muitíssimo amável,
Sacro, d'O Que Move a Terra. Foi lá que ele então encontrou
Um ancião pastorando o caminho de junto da cerca.
Disse-lhe então por primeiro o afamado rebento de Leto:
"Ó ancião, que carpinas Onquesto de denso gramado,
Vim da Piéria até este local procurando bovinos,
Todos femíneos e todos recurvos nos chifres que têm,
Do meu rebanho. Pastava afastado dos outros o touro,
Negro, mas cães de olhos rútilos acompanhavam detrás,
Quatro, quais homens, com ânimo unívoco. Foram deixados,
Touro e cachorros, o que se conforma num fato espantoso.
Elas contudo se foram do pasto no ocaso do sol,
Longe do prado macio, da pastagem de gosto adoçado.
Diz-me o seguinte, ancião que nasceste em antanho: se viste
Homem qualquer com as vacas, aquelas, seguindo atrás delas."
Como resposta o ancião proferiu as seguintes palavras:
"Filho, é penoso, de quanto se vê com auxílio dos olhos,
Tudo dizer, pois são muitos que neste caminho caminham.
Desses, há muitos que o mal intencionam e há muitos que o bem,
Indo e voltando. É difícil, portanto, aprender qual é qual.
Eu, todavia, do início do dia ao ocaso do sol,
Pus-me a cavar no terreno que tenho, repleto de vinhas.
Penso ter visto um menino – porém não sei bem, meu bom homem,
Quem ele fosse – seguindo bovinos de chifres perfeitos,
Um menininho que tinha um cajado e marchava em viés.
Ele os guiava de ré, com as caras viradas para ele."
Disse o ancião. Tendo ouvido o discurso, apressou-se na via.
Quando notou uma ave com asas compridas, já soube
Que se tratava do ladro gerado por Zeus, o Cronida.
Foi-se apressado, o senhor que nascera de Zeus, Febo Apolo,
Para a sacríssima Pilo, buscando o seu gado tardonho.
Nuvens escuras lhe obnubilavam as largas espáduas.
Mas, ao notar as pegadas, o longiflecheiro falou:
"Pobre de mim! É um grande prodígio o que os olhos percebem!
Essas são marcas, de fato, de gado de chifres direitos,
Mas de retorno ao jardim florescente se encontram viradas.
Já estas outras não são de mulher nem pertencem a um homem,
Nem são de lobos cinzentos nem são de leões ou de ursos,
Nem acredito que são de um centauro de crina lanuda –
Seja quem for que as imprima, assombrosas, com rápidos pés.
São espantosas as desse caminho, mas mais as deste outro."
Disse e partiu o senhor que nascera de Zeus, Febo Apolo.
Logo chegou à montanha cilênia coberta por mata,
Pétrea, na gruta de sombras profundas, no ponto em que a ninfa
Tinha gerado, ambrosina, o rebento do Crônida Zeus.
Um adorável olor através do sacríssimo monte
Ia-se e muitas ovelhas pernaltas pastavam na grama.
Nisso, apressando-se então descendeu pelo umbral pedregoso
Para a caverna brumosa o longínquo flecheiro, ele, Apolo.
Quando em seguida o rebento de Zeus e de Maia notou-o
Bravo por conta dos bois, ao arqueiro certeiro, a Apolo,
Foi para o meio das mantas cheirosas: tal como vultosas
Cinzas envolvem as brasas ardentes de um tronco de lenho,
Hermes também se enrolou quando viu o que o opera distante.
Num espacinho encolheu suas mãos, os seus pés e a cabeça,
Como um bebê neonato que busca a doçura do sono,
Mas se encontrava acordado, seu casco debaixo do braço.
Soube-o, pois não ignorou o rebento de Zeus e de Leto
A venustíssima ninfa montesa e seu filho querido,
Sua criança pequena envolvida em dolosos enganos.
Examinando o que havia no cerne da grande morada,
Ele tomou uma chave brilhante e abriu três baús,
Todos repletos de néctar e muita ambrosia amorável.
Ouro abundante em conjunto com prata lá dentro jazia,
Bem como vestes diversas, purpúreas e brancas, da ninfa,
Tais quais as deusas ditosas cumulam em casas sagradas.
O que de Leto nasceu proclamou para o célebre Hermes:
"Jovem, que estás em teu berço deitado, revela-me o gado
Rápido ou rapidamente nos estranharemos sem ordem,
Pois vou tomar-te e lançar-te no Tártaro pleno de névoa,
Na escuridão desditosa e fatal, donde nem tua mãe
Nem o teu pai te trará para a luz, mas debaixo da terra
Tu vagarás, entre gente pequena exercendo o comando."
Hermes lhe disse em resposta as seguintes palavras sagazes:
"Filho de leto, que fala grosseira que tu proferiste?
Foi procurando por gado campeiro que aqui tu vieste?
Eu não o vi, não sei dele, nem de outrem ouvi nada dele.
Nem revelá-lo consigo nem ter recompensa por isso.
Nem com ladrão de bovinos, alguém bem robusto, pareço.
Esse não é meu trabalho. Preocupam-me coisas diversas.
Sono é com que me preocupo, com leite que bebo da mãe,
Com meus paninhos em torno dos ombros e banhos quentinhos.
Que não escutem falar deste caso, que causa a disputa,
Pois surgiria um enorme estupor entre os deuses eternos,
Que uma criança neonata passasse através dos portões
Junto de gado campeiro. Tu falas de modo insensato.
Ontem nasci, são macios meus pés, e o chão, áspero, embaixo.
Pela cabeça do pai, grande jura te juro se queres:
Juro, de fato, que nem sou eu mesmo quem foi o culpado
E que não vi mais ninguém que tivesse roubado o teu gado,
Seja esse gado qual for, pois somente o conheço de fama."
Disse dessarte, lançando dos olhos um brilho profundo
E balançando os sobrolhos, olhando de um lado para o outro,
E assoviando bem alto ao ouvir o discurso improfícuo.
Rindo suave então disse-lhe Apolo, o que atinge de longe:
"Ah, seu bandido, ladino, de mente dolosa, acredito
Que muitas vezes entraste em moradas de boa feitura
E pela noite puseste no chão não apenas um homem,
Ao eclipsar-lhe os seus bens, silencioso, do jeito que falas.
Tu causarás aflições a diversos pastores agrestes,
Pelas campinas dos montes, a cada desejo de carne
Que te puser frente aos bois e às ovelhas de manto lanudo.
Vamos! Não durmas neste último sono o teu sono final.
Desce do berço, do teu companheiro na noite sombria.
Este sem dúvida em meio aos eternos vai ser o teu prêmio:
Ser nomeado por todos os dias senhor dos ladinos."
Disse e depois ao menino, em seus braços, levou Febo Apolo,
Mas tinha um plano naquele momento o potente Argicida:
Sendo levado nas mãos, enviou mesmo assim um portento,
Servo esforçado do ventre, correio de baixas maneiras.
Rapidamente em seguida espirrou, de tal modo que Apolo,
Quando escutou, arrojou para o solo o célebre Hermes
E se sentou frente a ele, por mais que quisesse ir embora,
De Hermes fazendo piada conforme lhe disse o seguinte:
"Sê corajoso, trapilho, rebento de Maia e de Zeus.
Encontrarei em seguida as potentes cabeças de gado
Com tais portentos. E tu vais guiar o caminho até eles."
Disse dessarte. Depressa se ergueu então Hermes Cilênio,
Indo apressado. Com ambas as mãos empurrou das orelhas
Os seus paninhos que tinha enrolados nos ombros, e disse:
"Levas-me aonde, ó de feitos longínquos, mais bravo dos deuses?
É por teu gado que estás desse modo iracundo e me vexas?
Pobre de mim! Que pereça a linhagem dos bois, pois eu não
Fui quem roubou o teu gado nem sei de quem tenha o roubado,
Seja esse gado qual for, pois somente o conheço de fama.
Dá, com efeito, a justiça e a recebe do Crônida Zeus."
Dessa maneira por cada motivo, insistentes, brigavam
Hermes pastoreador e o rebento brilhante de Leto,
Com coração empenhado. Palavras certeiras falou
...
Não sem justiça, por gado, agarrava-se ao célebre Hermes.
Ele, porém, mediante artifícios e falas de engano,
Tinha lograr o do arco de prata por meta, o Cilênio.
Mas, ao notar que aos seus muitos ardis respondiam-lhe engenhos,
Rapidamente ele foi caminhando através das areias,
Ele na frente e em seguida o rebento de Zeus e de Leto.
Logo eles dois alcançaram o cume do Olimpo fragrante,
Rumo a Zeus pai, o Cronida, seus filhos de todo venustos,
Pois para os dois as balanças de julgo se achavam dispostas.
Uma assembleia ocorria no Olimpo nevado e os eternos,
Imperecíveis, juntavam-se após a auritrônia Aurora.
Hermes e Apolo do arco de prata ficaram assim
Frente aos joelhos de Zeus, que indagou ao seu filho brilhante,
Zeus que trovoa da altura, e falou as seguintes palavras:
"Febo, mas de onde trouxeste esse espólio de todo aprazível,
Uma criança que há pouco nasceu, tendo aspecto de arauto.
Este é um assunto bem grave que veio à assembleia dos deuses."
Disse-lhe, Apolo, o senhor que trabalha de longe, em respota:
"Pai, com efeito tu logo ouvirás uma história não leve,
Mesmo que faças piada de mim como amante de espólio.
Esta criança encontrei, este ladro de todo invasivo,
Pelas montanhas cilênias depois de uma longa viagem,
Tão atrevido tal qual eu jamais encontrei entre os deuses
Nem entre os homens, de quantos bandidos existem na terra.
Tendo roubado o meu gado do pasto, partiu, conduzindo-o,
Junto da costa do mar de multíplices sons pela noite,
Indo no rumo de Pilo com passo alternado, assombroso,
Digno de olhar com espanto, trabalho de um nume brilhante,
Pois, por um lado, as pegadas dos bois para um pasto florido
Foram mantidas na negra poeira, que assim as mostrava.
Fora da rota, contudo, engenhoso, nem com os seus pés
Nem com as mãos caminhou através do terreno arenoso,
Mas palmilhou seu caminho valendo-se de outro artifício –
Fato espantoso! –, tal qual quem andasse em filetes de lenho.
Ao conduzi-los, então, através do terreno arenoso,
Todos os passos mostravam-se claros no pó, facilmente;
Quando, contudo, transpôs esse grande trajeto de areia,
Impercebíveis fizeram-se os rastros, os seus e os do gado
Sobre o terreno. Porém, houve um homem mortal que o notou
Indo no rumo de Pilo com gado de largo semblante.
Quando já havia disposto o rebanho em silêncio completo
E atravessado caminhos cruzados, de um lado para o outro,
Ele deitou-se em seu berço num breu semelhante ao da noite
Dentro da gruta coberta de névoa. Ninguém o pudera,
Nem uma águia espreitando, notar. Com as mãos, muitas vezes,
Ele esfregou os seus olhos enquanto tramava artimanhas
E de repente falou bruscamente o seguinte discurso:
'Eu não o vi, não sei dele, nem de outrem ouvi nada dele.
Nem revelá-lo consigo nem ter recompensa por isso.'"
Tendo falado dessarte, sentou-se depois Febo Apolo.
Hermes então por sua vez respondendo lhe disse o seguinte
E anunciou ao Cronida, regente de todos os deuses:
"Zeus, ó meu pai, vou de fato dizer-te a verdade completa,
Pois sou certeiro – é o que sou – e nem mesmo conheço o mentir.
Ele chegou junto a nós, procurando seu gado tardonho,
Hoje ao momento em que o sol novamente tornava a se erguer.
Dentre os divinos não trouxe quem visse ou que testemunhasse,
Mas ordenava que lhe revelasse, com grande coação,
Ameaçando-me muito jogar-me no Tártaro largo,
Pois tem a flor delicada da memorial juventude,
E eu vir a ser ontem mesmo, como ele bem sabe e tu próprio,
Nem com ladrão de bovinos, alguém bem robusto, pareço.
Peço: acredita – pois meu pai querido te gabas de ser –
Que eu não levei para casa os bovinos e assim prosperei,
Nem trespassei a soleira e isso digo de modo preciso.
Hélios, em muito eu respeito, e também as deidades diversas.
Tenho-te amor e por ele, pavor. E tu próprio conheces
Que não sou eu o culpado, mas eu jurarei grande jura,
Por esses pórticos bem adornados dos deuses, que não!
Mas vou puni-lo algum dia por esta caçada implacável
Mesmo que seja bem forte. Mas, tu, ora acode o mais novo."
Disse dessarte, piscando sinais o Cilênio Argicida,
E ele manteve os paninhos num braço, sequer os jogou.
Zeus gargalhou sobremodo de ver o menino travesso
Muito habilmente negando a autoria a respeito do gado.
Mas ordenou que eles dois, concordando num só pensamento,
Fossem à busca, com Hermes arauto guiando o caminho
Para mostrar o terreno com mente carente de danos
Onde ele havia escondido as potentes cabeças de gado.
Fez um sinal o Cronida, atendido por Hermes brilhante,
Pois facilmente o suadiu o sentido de Zeus porta-escudo.
Ambos então se apressaram, belíssimos filhos de Zeus,
Com rumo a Pilo arenosa e chegaram no estreito do Alfeu
E nas campinas, depois num estábulo de alto telhado,
Onde animais recebiam cuidado nas horas da noite.
Lá, enquanto Hermes entrava, em seguida, na gruta de pedra
E para luz retornava as potentes cabeças de gado,
O outro, o Latoida, mirando apartado, notou a courama
No alto das pedras e então perguntou para o célebre Hermes:
Como pudeste, ardiloso, esfolar duas vacas assim,
Sendo neonato e de todo tão jovem. Eu próprio, de fato,
Temo o poder que terás no futuro. Não te é necessário
Muito maior te tornares, Cilênio, rebento de Maia!
Disse dessarte e trançou com as mãos poderosas cadeias,
Tendo desejo de a Hermes prender com potentes juncais,
Mas as cadeias lhe falham e os juncos distantes se tombam,
Da árvore pura. Dispostos aos pés, prontamente cresceram
Lá de onde estavam, trançando-se juntos em meio uns dos outros,
E facilmente cobriram o gado campeiro de todo
Pela vontade de Hermes ladino. Foi disso que Apolo
Se surpreendeu quando viu. Em seguida, o potente Argicida
Examinou o terreno, furtivo, brilhando nos olhos,
...
Pois desejava esconder. Ao rebento de leto afamada,
Mui facilmente amansou, ao frecheiro, como ele queria,
Mesmo que fosse mais forte. Tomando sua lira na sestra,
Com a palheta a testava à medida. Debaixo da mão,
Terrivelmente o instrumento soou. Disso, riu Febo Apolo,
Todo contente. Perpassa-lhe o peito o sonido amorável
Da prodigiosa canção. O dulçor do desejo arrebata
Seu coração ao ouvir. Com a lira, tocando amorável
Pôs-se de pé, com coragem, à sestra o rebento de Maia,
De Febo Apolo. De pronto, tocando com som cristalino,
Ele cantou ressonante – amorável a voz o acompanha –
Sobre as deidades eternas e acerca da terra obscura,
Como primeiro nasceram e como ganharam seus lotes.
Mnemosine primeiro, dos deuses, honrou em canção,
Mãe para as Musas, pois mútuo era o lote do filho de Maia.
Do mais antigo, passou a cantar cada qual dos demais
Deuses eternos, honrando, o rebento esplendente de Zeus,
Tudo contando como era devido e tocando na lira.
O coração, por paixão invencível, no peito, foi pego
E, proferindo, lhe disse as seguintes palavras aladas:
"Ó bovicida, matreiro ocupado, consócio em banquete,
Valem cinquenta bovinos os hinos de que te ocupaste.
Placidamente a seguir nós nos resolveremos, eu creio.
Ora vem cá e me diz, multifário rebento de Maia,
Já de nascença acompanham-te feitos assim espantosos
Ou um dos deuses eternos ou dentre os humanos mortais
Deu-te esse nobre presente e ensinou-te a canção divinal?
Pois é de fato espantoso esse novo murmúrio que escuto,
Um que jamais digo ter sido ouvido por um dos humanos
Nem dos eternos, daqueles que fazem morada no Olimpo,
Mas tu somente, ladino, rebento de Zeus e de Maia.
Que arte? Que música feita de anseios sem meios de fuga?
Qual o caminho? Pois precisamente são três os possíveis
(Divertimento, paixão e a doçura do sono) a escolher.
Mesmo que eu seja das Musas Olímpicas seu seguidor,
Das que se ocupam da dança e da esplêndida via dos hinos,
E da canção florescente e do som adorável dos aulos,
Nunca antes disso outra coisa ocupou meu espírito assim,
Quando nas festas dos jovens há destras ações a se ouvir.
Pasmo, rebento de Zeus, com o teu amorável tocar.
Já que apesar de pequeno conheces ilustres perícias,
Senta, meu caro, e defere às palavras de alguém mais vivido:
Pois com efeito há de glória existir entre os deuses eternos
Para tu próprio e tua mãe. Eu proclamo com exatidão:
Sim, pela seta cornácea, de fato farei com que tu
Ínclito em meio aos eternos, um próspero líder, te tornes;
Eu te darei dons brilhantes e alfim não irei enganar-te."
Hermes lhe disse em resposta as seguintes palavras sagazes:
"Pedes-me, longifeitor, com cuidado, porém eu de tu
Na minha técnica te introduzires em nada te invejo.
Hoje tu irás aprender, pois eu quero te ser agradável
Em pensamento e em palavras. No ânimo, tudo bem sabes,
Pois à dianteira, rebento de Zeus, entre eternos te sentas,
Nobre e potente ademais. Também, ama-te Zeus poderoso
Com tudo que há de sagrado e ofertou-te presentes brilhantes.
Dizem-te ter aprendido, da fala de Zeus, quais as honras,
As profecias, longínquo, e os decretos de Zeus, todos eles.
Disso portanto eu já próprio percebo que és muito abastado.
É facultado aprenderes aquilo que tu desejares,
Mas, como teu coração quer na lira fazer dedilhado,
Canta e dedilha na lira e dedica-te ao divertimento,
Dom que te oferto, mas tu, meu amigo, confere-me fama!
Canta bonito, levando nas mãos esse sócio sonoro!
Belas e ordeiras palavras tu és sapiente em dizer!
Folga daqui em diante em trazê-la ao onusto banquete
E para a dança amorável e ao séquito amante da glória,
Divertimento da noite e do dia. Quem quer que a investigue,
Com sapiência e por meio de técnica, a fim de aprendê-la,
Ao ressoar, toda sorte de agrados à mente ela ensina,
Mui facilmente tocada com gestos gentis, familiares,
Pois ela evita a labuta sofrível. Mas quem a investiga
Sem ter primeiro uma prática e com violência a estudando,
Inconsistências em vão ela vai lhe soar falsamente.
É facultado aprenderes aquilo que tu desejares,
E para ti eu vou dá-la, menino brilhante de Zeus.
Ao que me cabe, no prado montês que alimenta cavalos,
Vou pascentar os bovinos campeses, ó longifeitor,
Onde abundantes rebentos as vacas com touros unidas
Vão engendrar, femininos e machos. Não te é necessário,
Mesmo que sejas sagaz, tu te encolerizares violento."
Tendo isso dito, ofertou-a; aceitou-a também Febo Apolo.
A Hermes dispôs em sua mão, de bom grado, um chicote brilhante,
E nomeou-o vaqueiro. Aceitou-o o rebento de Maia,
Todo contente. Depois de tomar o instrumento na sestra,
Longifeitor, lorde Apolo, o rebento brilhante de Leto,
Com a palheta a testava segundo a medida. Ela, embaixo,
Soa terrível e o deus a acompanha com belo cantar.
Logo depois, os bovinos de volta à campina sagrada
Eles tornaram, os filhos de todo venustos de Zeus,
E ambos de volta ao Olimpo nevado depois se moveram,
Tendo prazer com a lira. Com isso agradou-se Zeus sábio,
E ambos então conduziu à amizade. De fato assim Hermes
Teve um amor sem cessar ao Latoida, como hoje ainda tem,
Quando ofertou como um símbolo ao longifeitor sua lira,
Que ele, depois de instruir-se, tocou sob o braço, amorável.
Para si próprio, contudo, inventou outra técnica nova
E construiu suas flautas de sons que se escutam de longe.
Disse o Latoida para Hermes então o seguinte discurso:
"Temo, rebento de Maia, ó arauto e matreiro inventivo,
Que de uma vez tomarás minha lira e meu arco recurvo,
Pois tens o ofício, de junto de Zeus, do exercício de trocas
Que entre os humanos dispões pela terra de muito alimento.
Mas, se me ousares jurar uma magna jura dos deuses,
Ou inclinando a cabeça ou na força das águas do Estige,
Tudo que agrada e é querido do meu coração tu farás."
Logo o rebento de Maia, jurando, inclinou a cabeça,
Que não iria roubar quanto o longiflecheiro tivesse,
Nem de sua casa robusta se iria achegar. Nisso Apolo,
Filho de Leto, inclinou a cabeça à aliança e à amizade;
Não haveria ninguém que lhe fosse mais caro entre eternos,
Nem um humano ou deidade gerada por Zeus. A cumpri-lo,
A águia lhe veio do pai. Prometeu: "Só de ti, com efeito,
Símbolo dentre os eternos farei, dentre todos que existem,
Fido por meu coração e estimado. Também, além disso,
Vou conferir-lhe um bastão todo belo de cópia e fortuna,
Áureo, de tríplices pontas, e ileso eu irei preservar-te,
Tudo cumprindo, trabalhos de fala assim como de feito
Nobre, que digo saber a partir das palavras de Zeus.
Quanto à vidência, querido de Zeus, nobilíssimo, inqueres,
Mas para ti não te é fás aprenderes, nem a nenhum outro
Dos imortais. O sentido de Zeus é que o sabe. Mas eu, sim,
Sou confiado: jurei e aquiesci juramento mais forte,
De que nenhum, salvo a mim, dentre os deuses que sempre são vivos,
Outro jamais saberia de Zeus o complexo desígnio.
Tu, meu irmão da varinha dourada, também, não me ordenes
Manifestar os decretos que Zeus de ampla vista intenciona.
Dentre os mortais, para alguém farei mal para outrem um bem,
Pondo perplexas as tribos dos não invejáveis mortais.
Na minha voz terá auxílio, contudo, quem venha guiado
Pelo gorjeio e por meio das asas das aves perfeitas.
Esse na voz terá auxílio, na minha; não vou enganá-lo.
Já quem deixar-se levar pelas aves que são tagarelas
E desejar inquirir profecias contrário ao sentido
Meu, e ter senso maior do que os deuses que sempre são vivos,
Digo: andará vão caminho, porém seus presentes aceito.
Mas vou dizer-te outra coisa, rebento afamado de Maia
Junto de Zeus porta-égide, nume da sorte dos deuses:
Fato é que existem algumas augustas, nascidas irmãs,
Virgens, que ostentam tal qual ornamento suas rápidas asas,
Três elas são, de cabeça empoada com branca farinha,
Fazem morada debaixo da escarpa do monte Parnaso;
São professoras das artes proféticas, que eu, junto ao gado,
Quando menino treinei, pois meu pai não se opôs que o fizesse.
Lá de onde moram, voando alternado de um canto para outro,
Nutrem-se em favos de mel e dão fim para todas as coisas.
Quando se inspiram depois de comerem do fúlvido mel,
Zelosamente desejam então proclamar a verdade.
Mas se se encontram privadas do doce alimento dos deuses,
Falam mentiras e num burburinho conjunto se agitam.
Essas concedo-te. Tu, de maneira precisa inquirindo,
Faze alegrar tua mente. Mas, se a homem mortal ensinares,
Frequentemente ouvirá tua voz, se tiver boa sorte.
Toma-as, rebento de Maia, e aos agrestes bovinos tardonhos,
Cuida e também aos cavalos e mulas de longa labuta."
Foi o que disse. Zeus pai, ele próprio, do céu, as palavras
Fez se cumprirem. Também ordenou que de todas as aves,
Para os leões de olhos vivos e dos javalis de alvas presas,
Cães e de quantas ovelhas a terra tão vasta alimenta,
Hermes seria o senhor afamado de todo rebanho,
Único núncio também, consumado, seria para o Hades,
Que, mesmo sendo sem dons, lhe daria não mínimo prêmio.
Com o rebento de Maia amistou-se-lhe assim Lorde Apolo
Com toda a sua amizade. O Cronida acresceu sua graça.
Ele convive com todos, mortais e imortais de igual modo.
Pouco de fato é o que lucra, mas continuamente ele engana
Pelas tenebras noturnas as tribos dos homens mortais.
Salve, portanto, senhor, que de Zeus e de Maia nasceu!
Ora de ti eu irei me lembrar e de uma outra canção!
Boa tarde! Gostaria de citar esse link, essa tradução, em trabalho acadêmico. Por favor, como cito?
ResponderExcluirGrato,
Prof. Dr. Ricardo da Costa
www.ricardocosta.com